Aquilo que costuma dizer-se é que a arqueologia traz o passado à superfície, entendendo-se a superfície como presente. Mas se, à procura de Maio, levantas e apanhas o chão, reencontras a praia desse mês? Não. Ao abrires passagem até à terra firme, corrida toda a areia, quanto muito encontras o tempo perdido entretanto, um chão pisado muitas vezes, sem que tenha sido evidente como fundamento dos teus passos e dos passos dos outros. É isto o mais exacto que podes servir-te. E não adianta discutir a dimensão das decisões tomadas antes, se pequenas, grandes ou assim assim. O passado, o teu e o dos outros, corre atrás de ti, no teu encalce, adiantando-se ao ritmo do teu avanço e do avanço dos outros, concentrando-se e dissolvendo-se simultaneamente mais do que na tua sombra, na tua carne, sendo-te intimamente estranho. O jogo do tempo é duplo e duplica-te também, em recordações e esperanças, em atraso e envelhecimento, em um só corpo, no qual e pelo qual hás-de viver e continuar a morrer.
fotografia © Tiago Gonçalves
legenda © Eliz B.
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