2010-02-27

Nota de intendência. Há muitas fotografias no Paulo sobre o que aconteceu na Madeira na Tabu, revista que suplementa o semanário Sol (n.º 182, 26.fevereiro.2010). Folhear em particular as reportagens entre as páginas 22 e 25 e as páginas 26 e 39. E ver.

foto&legenda # 458 (jardim suspenso)

A natureza é o absoluto que nos antecede, absoluto pelo qual somos necessariamente, somos no equilíbrio entre o que somos e as provas de contacto do que somos. Portanto somos sem saída. Quando da natureza vem muito mais do que as mãos, o que elas fazem e os frutos, quando vem a força que desabita e desola o chão, contam-se os mortos e recorda-se uma dúvida que o tempo foi fazendo esquecida: porquê o mundo é feito de destroços? Continuamos a não saber a resposta. O que sabemos é que quanto mais força é investida contra a natureza maior é o impacto que ela é capaz de devolver-nos em formas e modos que nunca conseguimos domesticar. Somos fracos, não somos sempre fracos, mas somos fracos. A natureza fez-nos assim, com inclinação à fraqueza diante dela. À semelhança do que sucede no combate entre os deuses e os mortais, no combate travado entre a natureza e os mortais são os mortais que morrem. Se há sobreviventes, não é o fim. Reerguer é o verbo que acorda com o luto e através do qual as pessoas são capazes de continuar, é o acto após o estupor que sucede à tragédia. Vêm as máquinas, vêm as mulheres e os homens. Permanece o contrato entre a natureza e a humanidade, contrato em que a cláusula da morte não está escrita em letra miudinha. Vêm as mulheres e os homens porque a remoção dos destroços não é ofício dos deuses.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2010-02-19

foto&legenda # 457 (rexistência)

Somos breves e pequenos para o desespero que não assumimos. Confins, corpo a corpo, merecemos o que, por devolução nossa ou da natureza, nos acontece ditado como culpa e sentença. Não tapes os olhos, descobre-te. Estás a acontecer. O mundo já está nu.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2010-02-09

foto&legenda # 455 ((antichrist television blues))

Não sou original, repito com adulteração um credo de Nietzsche - Ich würde nur an einen Gott glauben, der zu tanzen verstünde -, não creio em deuses que não saibam dançar. Menos creio em deuses mortos que isso também, cadáveres não dançam. Este princípio remete-me ao corpo, ao posto onde a morte sopra como instinto. Antes das ficções, a sobrevivência, o combate, o jogo, os passos, a alegria, o erro. Talvez não seja verdade mas, meio mas, não mais do que essa porção adversativa, preciso de estar sozinho para encontrar-me. Quando saio estou com os outros, partilho a respiração com eles. É isso a dança, admitirmos a água como vinho, o vinho como sangue, o movimento que transforma o pão em mais pão e o pão em carne, para que a festa não cesse. Não preciso de histórias da carochinha para acreditar no corpo, no que com o corpo se faz e é possível fazer, incluindo a ligação. Preciso de simplicidade, de estabelecimentos que consiga ver, necessito da concretude dos dias que acontecem mais perto, dos desvios que posso através deles e das horas que têm. Sem assentar em doutrina, creio no corpo a autenticidade, no corpo a história, no corpo o reino, no corpo o rei, eu, tu ou outro, a falência da intenção metafísica. É assim, se danças, trazes a música à carne, numa operação em que o corpo vibra a ressurreição da condição própria. Preciso de estar sozinho para encontrar-me mas, agora a adversativa é inteira, concedo, descubro-me corpo a corpo, descubro-te também. A dança despe-nos. Ficamos sem deuses, ficamos sem teelvisão, matamos e prescindimos de o que é supérfluo. O corpo é suficiente, sede e ligação. E quem diz dança diz futebol.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria