2011-11-25

foto&legenda # 486 (geral de geralmente)

Vês-me assim (de braços abertos, quase asas) e pensas que estou a imitar o crucificado ou a oferecer o peito às balas (elas que venham, estou preparada), como no quadro de Goya ou na fotografia de Capa. O gesto que vês não é gesto, é acto (um acto), momento de um movimento. Estou esticada e a dançar com a liberdade que quero, a crescer na rua, à mostra, porque não tenho vergonha de ser quem quero ser, ainda mais solta. Talvez devesse emigrar para experimentar com autenticidade a sensação de crescer, de ser e ter a possibilidade e a oportunidade de ser, sem ser apenas a personagem de uma legenda triste, sobre esta calçada, a pedra para os meus pés. A sensação de livrar-me do aperto paroquial de viver aqui, cingida neste estabelecimento que nunca encerra para balanço e onde (anunciaram) vão matar quase uma mão cheia de feriados porque, parece, os feriados são maus, provocam a acédia e a procrastinação. Como é óbvio, julga-os assim apenas quem tem vida boa e larga e, por isso, gere a demora conforme lhe apetece ou quase, sem ter necessidade de, por exemplo, atender ao horário dos transportes públicos. Automóvel de marca alemã por conta e chauffeur à ordem permitem ver o mundo de modo muito diferente. A propósito, dá cá mais meia hora tua para a jorna, a bem da nação, a puta da nação (über alles). A alternativa é seres vítima de confisco, mas não julgues que te dão a optar. Que merda. Sei que não queres saber, de facto não sei se queres ou não queres saber, no entanto digo-te à mesma, a liberdade paga-se com desassossego. Sentes a inquietude?, a inquietude não faz greve, balança. Eu danço porque quero dançar, sinto-me bem a dançar, como se me estivesse a libertar, às vezes também de mim, dos meus sapatos vermelhos. Eu sei que não são sapatos. A greve também não foi geral (cuidado com as generalizações), isso é a caixa de depósitos. Sei do que falo, já vi o cavalo a galopar numa colher à porta de uma agência dela, era noite, estava frio, desde então tenho respeito, muito respeito, pela expressão acentuado arrefecimento nocturno. Sobre o coração, olha a pieguice de chamar coração ao sifão cardíaco, continuo a dançar. Dança dura, que exige e convoca o corpo para prova de contacto. Tenho o hábito (mais exacto, a mania) de não atender a súplicas ou a ressacas. Quando posso antecipo-me, inclusive na desistência. Creio na dor de conquistar o que se é e pode ser, hoje ou amanhã, e perder, às vezes perder. Danço que danço e não pretendo renunciar a escolher com quem, unida a quem. Se quiser, let’s dance, sozinha.

fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria