2006-04-01

foto&legenda # 23


Olhava, olhava, olhava como olhava, e não a via como uma árvore. Mas ela era uma árvore. A árvore dançava, livrando os seus braços, mais do que os de Vishnu, no embalo do vento. Esses braços, compridos, cresciam para o céu e o seu movimento desenhava uma luminosidade que não é comum nos corpos que não são estrela. Ainda assim, ele não a conseguia ver. Por isso insistia no seu olhar, procurando a árvore e os seus gestos embaraçados. Por alguns instantes chegou a admitir que tal árvore fosse mentira, que não estivesse ali, diante de si. Porém, depois, voltou-lhe a inquietude. Talvez, em outra posição, de outro modo, a conseguisse ver, pensou. Em consequência, fechou ainda mais os olhos. Mas continuou sem conseguir ver a árvore. Não tornou, no entanto, a admitir que ela fosse mentira. Preferiu imaginá-la e vê-la assim, levantada, a jogar os braços soltos, a tentar agarrar o ar, como se dançasse sem mexer os pés. Porque, se ela fosse mentira, outros olhos seriam capazes de a ver. E, de facto, viam.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

Sem comentários: