2020-05-31

foto&legenda # hors-série (grand slam)


Comece-se pela imitação, imperfeita, caricatural. Dizê-la the Picasso of passive-aggressive karate é dizer quase tudo. Ela não é uma dondoca, é uma fada do lar.
fotografia © François Duhamel
legenda © Sérgio Faria (31-05-2015)

2020-05-13

foto&legenda # 548 (filho de Newton)


“Digo não Eu digo não
digo o teu nome que diz não.”*

Voar é outra coisa. Não quero, grito, não quero ir para o céu. Lá em cima começa a queda.
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* in António José Forte, Uma Faca nos Dentes e Outros Textos, Lisboa, Antígona, 2017, p. 62.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria (13-05-2018)

2020-04-26

pisei o risco? laissez faire...

018-04-24

foto&legenda # 545 (laissez passer)


Aquilo que distingue alguém não é o facto de ter nascido ou de vir a morrer. O nascimento e a morte são contingências de qualquer biografia, sobretudo pormenores e preocupações da curiosidade cartorial. No intervalo entre o nascimento e a morte há bastantes passos para dar. É isso que arrelia muitos comandantes e escrivãos do futuro, haver quem insista em não desistir de andar, quem continue a desafiar o caminho que, por mania ou presunção, outros pretendiam fatal, função da vontade de deus. Há tanto tempo que caminhar deixou de ser em regime seja o que deus quiser. Os mais novos até vão ao ginásio com frequência maior do que a com que os pais ou os avós deles se habituaram a ir à missa. No horizonte já sobra menos do que o fim. Agora, força da continuação e da diferença que se quer, todas as horas são sempre agora e na hora da nossa morte outra vez. Daí que continuar a andar seja inaugurar a cada passo a potência de começar.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria/

foto&legenda # 546 (ein gespenst geht um in)


Há sempre alguém a tentar passar para o lado do sonho. A mão esquerda é a que acorda.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria (26-04-2018)

2020-04-25

foto&legenda # hors-série (a classe constritora)


Há aquela frase célebre escrita por Marx que justifica a paráfrase. Raramente a repetição é o mesmo outra vez, porquanto, na história, a repetição tende converter o trágico em farsesco. Pelo que o que se viu tantos anos antes, mil novecentos e oitenta e um, pode ser aperfeiçoado. A guerra continua fria, embora outra. É uma ilusão julgar que a classe constritora prevalece.
fotografia © Patrick Dermachelier / Vanity Fair
legenda © Sérgio Faria (25-04-2017)

2020-04-02

foto&legenda # 552+553 (frente palente)


Às vezes imagino-me com o encargo de limpar o nevoeiro, um erro que perpetro com frequência. Não vem mal ao mundo por isso, o que vem calha só a mim, acontecendo que não sou assim tanto mundo que justifique caso ou lamento. O que mais me impressiona no nevoeiro, que opera como uma gaze sem solidez, é o que o baço mostra, que é possível tornar indistinto ou invisível o que está ali, um prodígio sem autor. E que na maior parte dos dias o que sucede é que o que está torna invisível o nevoeiro. Ia para dizer que isto é uma ideia, talvez uma conjectura. É só imaginação. Não ver o que está é mais fácil do que ver o que não está. O precipício branco que se revela à saída.


fotografias © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria (11-01-2019)

2020-03-31

foto&legenda # 556 (o passado é um animal trágico)


La vie est de brûler des questions.”*

Houve um tempo em que éramos outros, conseguíamos ser, fazíamos, passávamos. Agora é tanto o que nos afecta, a separação de corpo dia após dia, o trânsito quieto, o dos fluxos pendulares e o das distâncias, um exílio estranho, doméstico. Quase já não há fora ou mais. Quase já não há tempo. O que acontece parou-nos. Somos a tragédia, o fim dela, o fim mesmo repetido, repetido, repetido, repetido. Somos o bicho que pergunta, porém porquê?, para quê?, para onde? deixaram de ser perguntas sobre o destino. A emergência transformou-as em índices antigos, ícones do que fomos. Se se continua a fazer, se se continua a passar, é porque ainda é possível, algo deixa, continuar a fazer-se e a passar-se pelos resíduos daquelas interrogações que já não são. Diante de nós está o passado por fazer e por passar. É de lá, de quando juntos, que esta carruagem nos trouxe. Vieram holandeses também. (Esta frase, final, é suprimível, por, no futuro, para a memória que houver, não ser necessária.)
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* in Antonin Artaud, L’Ombilic des Limbes suivi de Le Pèse-Nerfs et Autres Textes, Paris, Éditions Gallimard, 1968.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria