2008-03-29

foto&legenda # 409 (despiste)

Às vezes fechamo-nos num tempo. Outras vezes fechamo-nos num lugar, onde a manhã começa a acontecer, não obstante a manhã comece a acontecer em muitos lugares, e esse lugar leva-nos até ao seu tempo, que é o nosso tempo também.
fotografia © Pedro Figueiredo
legenda © Sérgio Faria

2008-03-23

foto&legenda # hors-série (levitação)

As tecnologias levam-te e levantam-te até onde não estás. Há quem chame a tal processo ascensão após ressurreição. Talvez seja. Mas é suspeito o modo como reapareces. Voltas mas não ficas, tornas mas vais novamente. Tu, sim, regressas ao futuro. Provavelmente nunca deixaste de lá estar. Mas a necessidade de telefonares ao teu pai, para lhe dizeres que está tudo bem, suscita questões às quais não podes responder mostrando as mãos. Para dizer a verdade e não merecer castigo, também não são as tuas mãos o que queremos ver.

fotografia © Helmut Newton
legenda © Sérgio Faria

2008-03-21

foto&legenda # hors-série (suspensão)

Acabaram-se os exercícios livres. Hoje serás a valer, corpo crucifixo. Esta é a tua oportunidade derradeira. Deixa-te de jogos pequenos, cumpre a missão do teu pai, o cálice. Seres mulher não é desculpa para ti ou isenção para nós. Vai, confirma-te.
fotografia © Francesca Woodman
legenda © Sérgio Faria

2008-03-20

foto&legenda # hors-série (lava pés)

Antes de cear, hás-de lavar os pés. E virá a confirmação de tu seres quem és.
fotografia © ?
legenda © Sérgio Faria

2008-03-15

Foto de outros tempos & legenda de hoje

Há meio século (ou mais!). No Zambujal. Outros tempos, outros transportes, outros serviços públicos. Sem A1 e An, IPs, ICs, e menos alcatrão, sem portagens, sem SCUTs. Máquinas "de tirar fotografias" de muito menor qualidade técnica, mas com outra incomparável qualidade, a de serem novidade.

Saudades? Não. Ou talvez... mas, em definitivo!, não. Cá por coisas.

Uma imensa ternura, isso SIM.

foto que amigos fizeram chegar
ao legendador s.r.

2008-03-14

foto&legenda # 408 (Diderot e a verdade sur scène)

Sobre o estrado são o véu e o vau por cada pronúncia que, como imitação da vida, arrasta o corpo e a voz com ele. No conjunto, aos outros, que vêem e ouvem, mostra-se o fingimento em manobra de drama, para fazê-lo melhor acreditado, vida que não parece imitada, porque é já a vida que leva o engano e o aproveita outra vez para autenticar a imitação.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2008-03-10

foto&legenda # hors-série (a família babélia)

estou cansado e sou livre, o que são motivos suficientes
para começar esta oração.

um avô disse, o outro avô disse, uma das avós disse,
a mãe disse, o pai disse, o irmão disse, a irmã disse,
deus disse e com ele todos os anjos disseram também,
está quieto, mas ele não estava. e assim cresceu,
como uma torção para a qual sempre houve censura
mas nunca houve terapêutica.

ele tornou-se adulto utilizando o método do desejo,
e isto não é metáfora. caminhou por desvios e regressos
vários, porém por não tantos quantos os que encontrou,
porque escrutinou-os com a vontade. demorou jornadas
no lado dos perdidos, assumiu a propriedade vaga dos nómadas
e aprendeu a orientar-se pelos elementos, sem, no entanto,
esquecer-se de onde havia partido e a onde às vezes tornava,
a casa.

um dia, coincidente com um dos seus retornos a casa, sem aviso,
como foram todos os seus retornos, juntou-se à família.
reunidos, todos ficaram calados e ele, porque parte de todos,
entrou na sala, sentou-se entre eles e ficou calado também.
a partir de determinado momento, longo o silêncio e o incómodo,
alguns levantaram-se e, sem dizerem qualquer palavra,
abandonaram a sala e foram passear para o jardim,
seguindo os contornos da topiaria amanhada com cuidado.
havia felicidade naquele caminho entre as cores, dizia-se.
à medida que tais alguns se afastaram, os seus passos ressoaram
sobre o soalho, antes de, por dissipação, apagar-se o respectivo som.
provocadas as folgas da madeira, o sobrado pisado também rangeu.
estes ruídos, nítidos, talvez nítidos em demasia, cortaram o silêncio
que havia na casa. então, dentro da sala, alguém começou a assobiar.

ele levantou-se, segurou o cortinado de uma das janelas, afastando-o,
e, sem pressa, através do vidro, ficou a observar a torre imponente,
que, pelo tempo e pelo coro calado das vozes daquela casa,
a família haveria de falir.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © serôdio d’o.

2008-03-06

Raios e coriscos...

O que o legendador teve de andar para trás (quase um semestre!) para encontrar uma foto cá da terra deste fotógrafo cá da terra... Uff!
Com todo o respeito e admiração por algumas belas fotos de gente, caras e mãos que de cá são, e de belos voos como o deste pássaro-dragão que está mesmo aí abaixo... e que foi em vão.
.
foto de Nuno Abreu
legenda de Sérgio Ribeiro

foto&legenda # 406 (uma sequência)

São muitas as histórias da história, os episódios e as coisas que não deviam ter acontecido mas aconteceram. Nunca saberemos o que poderia ter sido diferente, às vezes por pouco, tão pouco, quase nada. As tragédias consumam-se assim, com nome.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

A partir de um auto-retrato

O quê? Deixar este blogo fechar?
Nem por castigo de ser ter deixado aquele "urso" tanto tempo sozinho a alimentá-lo! Vejam só como ficou um dos fotógrafos que, aliás, seria também um ótimo legendador.
Vamos lá a animar isto seus (ir)responsáveis.
foto de Pedro Gonçalves
legenda de anónimo (encontrado na rua)