2007-02-27

foto&legenda # hors-série (mosaico, hotel w. b.)

Por poderem ser, as cores de «um» são várias. Mas «um» é uma convenção sobretudo. Não significa promessa, não significa fim. Também não significa princípio da natureza, verdade ou unidade. Significa, se significar, pluralidade, índice, medida de comunidade até que. Porque, hic et nunc, «um» é o limite de uma etapa do que, porque um dia começou, pode acabar. Graças ao Nuno, ao Paulo, ao Pedro e ao André. Aos outros, não poucos, também.

fotografias © Nuno Abreu, © Paulo Vaz Henriques, © André Simões e © Pedro Figueiredo

2007-02-26

foto&legenda # 267 (eldorado)

Foi uma colonização que começou pelos pés, sob o hino the ground beneath her feet. Ninguém estranhou. É antiga, anterior a Jesus, a doutrina sobre o domínio dos pés. Pela lavagem, Jesus apenas os transformou em acesso à redenção.

fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-02-23

foto&legenda # 266 (sob o signo de κρόνος)

Porque há várias escalas do tempo útil, nesta esquina poderás saber a quantas andas do dia, mas não o dia.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-02-22

foto&legenda # 265 (devolução)

É um certo exaspero. É um cuidado também. Se acrescenta ou adianta, já pouco acrescenta ou adianta dizer as palavras certas, porque a certeza não está nas palavras, mas em quem elas tomam destino. Sabes?, foi tudo tão rápido, um instante apenas. E depois pareceu como se não tivesse havido antes, como se não tivesse havido um princípio. Foi como se tudo tornasse a começar, uma novidade estranha, sem originalidade. De tal modo que, naquelas circunstâncias, para começar, então, já era tarde. É por isso que, agora, pouco acrescenta ou adianta dizer as palavras certas. Por mais que se tente a busca, não se encontrará inocência nos lábios. Os beijos não permitem, repetem-se.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-02-21

foto&legenda # 264 (consumo)

Acrescenta-se caldo ao pão. E ao que se chamava fome passa a chamar-se sopa.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-02-20

foto&legenda # 263 (atrás de cada porta)

Em ideia, é uma espécie de conforto, um limiar. Em tecnologia, é um dispositivo dual, de contenção ou fuga, de reserva ou mostra. O buraco da fechadura, isso, serve para as mesmas coisas, porém em miniatura.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-02-19

foto&legenda # 262 (a veste dos grandes)

Não se vê, porém não é espectro. Chama-se Pedro e, em carne, é o recheio desta camisola, pavilhão dos magnânimos.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-02-17

foto&legenda # 261 (sob o testemunho de Marconi)

Por que é que, muitas vezes, quando dizes tempo queres dizer temperatura?, queres dizer o estado dos elementos?
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-02-16

foto&legenda # 260 (fox talbot redux)

Quantas vezes tocará o carteiro? Haverá al(gu)ém?
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-02-15

foto&legenda # 259 (o viandante)

Sem bagagem, apenas com o tempo posto dentro de um frasco, a única carga. Pé ante pé, pé após pé, passo, passo, passo, passo, pode dizer-se caminho, como revelação constante do horizonte. Não se sabe, porém, se ida, se volta ou que chão.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

legenda&foto # 19 (laranjeiras, laranjada & maçã)

Não estranhava laranjeiras. Embora não muitas, havia-as em casa da sua avó e do seu avô. Também havia nespereiras - como aquela, a única árvore, que ele tinha em casa -, pereiras, macieiras, dois limoeiros enxertados em laranjeira - ambos guardados contra a parede perto da porta da adega - e uma figueira pingo de mel - presença régia na fronteira entre a casa e os primeiros alfobres de terra semeada ou passada pela enxada. Havia ainda algumas oliveiras e pés de videira, bastantes, distribuídos sem ordem pelo pequeno casal, acima, abaixo e atrás da casa e em torno da eira e do palheiro anexo. Tudo isto, agora, já não existe e é memória vaga. O que ainda hoje ele recorda, como se fosse lembrança fresca, exactamente de hoje, é o primeiro dia que, nos dois lados de uma recta longa de asfalto, testemunhou o que, à época, tenro em pomares, lhe pareceu um contínuo infinito de mães de laranja. Ainda hoje o acompanha o perfume inebriante daquela tarde, daquelas mães guardando em si tanto fruto. Acompanha-o como recordação marcada a água-forte. Foi também o dia em que pela primeira vez bebeu laranjada autêntica, de um jarro, não de uma garrafa. Mas do que ele gosta mesmo, de gostar à doida, porque o faz imaginar o princípio de toda a culpa, chama-se malus, maçã.

legenda © Sérgio Faria
fotografia © Nuno Abreu

2007-02-14

foto&legenda # 258 (fixação)

Pouco importa o que vês, porque o que os teus olhos não alcançam - não o horizonte, mas o complemento - é muito mais.

fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-02-13

foto&legenda # 257 (corpinquieto)

Um dos lugares da nossa condição é o interdito que fez a esposa de Lot transformar-se em relevo salgado. À saída não pode olhar-se para trás. Tanto a nostalgia quanto a saudade, porque modos de rendição, constituem crimes contra o regime do tempo, contra o futuro. É necessário continuar, não deter a marcha, porque parar é confirmar a culpa e merecer o castigo. Daí que, através da aceleração do passo e do compasso, se tente o disfarce. Mas, por mais intenso que seja o ritmo, não é possível inaugurar caminho contínua e permanentemente. Mais tarde ou mais cedo, por contigências das coisas e da sua economia, os passos começam a repetir-se, a cair sobre o mesmo chão, como se obrigados a uma identidade ou proximidade. Até que, após tantas voltas, pela repetição quedamo-nos quietos, estátuas, a sombrear a água também quieta sob nós.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-02-12

foto&legenda # 256 (dobro)

Qualquer reflexo é uma aposta, uma imagem em dobrado contra singelo.

fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-02-11

foto&legenda # hors-série (submissão)

Só nós dois, matérias diferentes, ambos nós, é que sabemos o que é sofrer. E depois, sim, depois, quando foi a última vez que sentiste uma mão tocar-te? Sofrer não é ser e estar torcido apenas, permanecer dobrado e vincado na própria carne. Sofrer é o abandono também, o nosso, a erosão pela oxidação, pelo corte. E ainda há quem fale sobre a liberdade... Ninguém mais do que nós sabe o que é a liberdade. Sem favor, apenas pela competência, pela utilidade, segurámos liberdades, prendemos coisas. Pelo que, hoje, o que mais dói, a nós, ambos nós, é a desistência de nós e o que essa desistência significa, a inutilidade de uma função, a função por que somos fomos.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Eliz B.

2007-02-08

foto&legenda # 255 (white she wants revenge)

Quando foi a última vez que comeste bifes National Geographic?, perguntou ele. Não sei e prefiro peixinhos da horta, respondeu ela.

fotografia © Pedro Figueiredo
legenda © Sérgio Faria

2007-02-07

foto&legenda # 253/254 (camera lucida)

Há um corte harmónico que a escuridão não consegue esconder, porque feito de matéria diferente da luz. É um modo de magoar tremulamente o aço, encontrando-o com um ritmo. Chamam-lhe vibração sobre o silêncio, adorno e sopro contra os quietos e os calados. Parece que há deus nisso.
fotografias © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-02-06

foto&legenda # 252 (xadrez alado)

O jogo era simples, peças brancas e peças pretas, peças que voavam. Não havia rei, não havia rainha, apenas peças que voavam. Também não havia tabuleiro com coordenadas definidas. Todas as regras eram para descobrir no jogo, ao ritmo do jogo.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-02-05

foto&legenda # 251 (comunidade)

Podemos recensear factos e diferenças, ensaiar isso num exercício de elenco longo. Tu tens tempo, eu tenho tempo... Para começar, arrisco a nossa diferença mais óbvia, tu és a face light, eu sou a face sem filtro.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-02-02

foto&legenda # 250 (quatro em vaga azul)

Azul. Com esta palavra enuncia-se o horizonte. As outras palavras possíveis, alcance, além, sugestão, embora também justas e suficientes para consumar o enunciado, surgem tarde. Fica o horizonte como se fosse uma superfície longa, a perder, como se fosse o murmúrio da água levada. Depois alguém acrescenta cárcere. Depois ainda alguém acrescenta morgue.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-02-01

foto&legenda # 249 (mão de obra)

Muitos dias depois de guiar a alfaia, a minha mão aprendeu a agarrar um formão pelo qual desenho o meu nome. Há uma certa magia nesse acto de firmar que quase não sei confessar. Onde há aspereza, folha encardida, escrevo veludo. É isso, sabes?, que, agora, quando empresto a mão à lavra, acontece.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria