2007-10-24

foto&legenda # 364 (muž)

O diálogo é um modo de as partes da imortalidade se encontrarem. Sabendo isto, quando querem conversar, os embaixadores de tais partes combinam encontro e sentam-se na cúpula de edifícios próximos, cada um numa, para não terem que elevar a voz e não correrem o risco de serem ouvidos por estranhos, os mortais. O que se segue, raridade, é o excerto da reportagem de um desses encontros.

* * * * *

Naquele instante ambos verificaram o mesmo homem, que passava lá em baixo. Interrompendo a sequência do diálogo, Marbuel saiu do lado da sombra. Sim, a hominidade, mas Kant talvez tenha sido excessivo. Repara, aquilo que vale para um homem não vale necessariamente para todos os homens. Este, parece-me, é o primeiro problema. O segundo problema decorre da acentuação do absurdo pressuposto neste. É que, admita-se circunstancialmente a hipótese, ainda que aquilo que vale para um homem e todos os outros fosse o mesmo, isso não valeria necessariamente sempre para todos eles. Pelo que, insisto, para além do problema associado à definição do mínimo denominador comum da hominidade, há o problema da paz perpétua. Permanecendo sob a claridade ténue do dia, Ariel, que continuou a olhar para o homem, agora quieto ou quase, como se posasse para uma arma, à espera que qualquer bala ou rajada o fulminasse, reagiu com amuo. Mas para mim o problema é outro, mais evidente, percebes? Ninguém pode ser deus sem deus.
fotografia © Johan Ríša Svatí
legenda © Sérgio Faria

Sem comentários: