Aqui, postos sob o silêncio, sentem-se dois murmúrios. Um, por que me queres?, ó memória, jogado pelo tiquetaque cardíaco deste lugar. O outro, quero-te para meu corpo, ó cidade, segredado pelas elipses contínuas do tempo. É este diálogo de vozes quase caladas que se repete e cruza com outro sussurro, a erosão lenta do fio tecido por Ariadne. O lugar vai afrouxando em mistério, vai sendo vencida a sua voz. Vão-se gastando e perdendo as palavras do seu nome. Os homens não se compadecem com isso e, por acto, confirmam o abandono da carne que se empresta à casa nossa de todos os dia. Por esse abandono, o lugar morre, sem amadurecer. As paredes falem. Há quem diga que é assim porque tem que ser, é o lugar a crescer, a cidade a sair das entranhas da vila, vila nova, como da crisálida, da ruína da ninfa, nasce a mariposa. Mas os homens mentem. Por isso tentam esconder o cadáver do lugar, embrulhando-o em futuro. Inventam cerimónias e orgulhos, exibem o seu estandarte, desfraldam-no ao vento, cantam hossanas, vésperas e esperanças, empinam o peito e olham o céu, pisam o seu chão, mas não vêem o que está diante de si, as insígnias do lugar a sangrar. A memória, pacho fraco, não estanca tal derrame. Fortuna é, sobre aqueles murmúrios já ditos, sentir-se ainda a sombra de um par de asas, majestosas. Sabe-se que não é um anjo que guarda este lugar, é uma águia. Águia que, sempre, abre as suas asas contra a queda, contra a traição, para, pelo seu bater, acordar as paredes que os homens já crêem e querem sem vida. Aos homens, aos senhores deste lugar, falta-lhes aprender a escrever a saudade nas coisas e guardá-las. É que, como a águia nos ensina pela sua vigilância, quando se voa, não se ressuscita das cinzas ou do nome que se deixou apagar. É assim no céu, é assim também no chão, neste lugar.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria
legenda © Sérgio Faria
12 comentários:
Quantas vezes aqui passei e, memória indignada, pensei fotografar? E passei. Mas o Nuno, com a sua memória de jovem por isso ainda mais de futuro e projecto, não pensou, fez! Fotografou. Obrigado, muito obrigado, Nuno.
Quanto ao texto... bem, é do sf!
São "as insígnias do lugar a sangrar. A memória, pacho fraco, não estanca tal derrame."
Já ganhei o dia! Venha ele.
A nostalgia melancólica da memória.
SF,
É sempre um prazer ler os seus magnificos textos.
GR
SÉRGIO RIBEIRO
(pedido de esclarecimento)
Então!
O que aconteceu ao anónimo XXI ?
É o segundo dia que não o consigo abrir!
Clico e aparece a página (!) em branco!
Vou fazer uma manifestação de protesto!
Mounti, alguém está a boicotar o (teu) blog !
GR
Pois é, GR, não sei que se passa...
Como calcularás estou ainda mais "bera" que tu.
E (ainda) não sei que fazer. Ajudem os que sabem de informática e blogs.com. Isto é, digam-me, por favor, que hei-de fazer.
É um S.O.S.!
Se calhar foi por causa do meu religioso comentario!
Obra do Belzebu sem rabo - concerteza.
Credo. Cruzes. Canhoto.
Quem não tem rabo é o Mounti. O do Belzebu acaba em seta, dizem os teólogos (ah!, ah!).
E se soubessem como recuperei o anonimato... Quase me sinto engenheiro! E orgulhoso.
Mas voltemos às coisas sérias, a esta foto&legenda. Merece ser revista e relida.
não tem rabo ?!?!?!
Cuidado Pedro que essa do NA traz agua no bico!
Por favor, com o Mounti não se metam. Eu, seu advogado, ainda me zango e vos meto em justiça...
Defecar, defeca, embora seja de um asseio que faz inveja a algumas fotos provocadoras por que por aí tropeço.
A falta de rabo deste felino é forma popular de dizer que não tem cauda por ser, como é, descendente de lince. Uma fera... amorosa.
Respeitinho pelo rabo de cada um!
seria uma grande porcaria :)
Falta de rabo não é rabeta?
Tu queres ver que o diabo do gato em vez de prepador é caçado?
Qualquer dia, ainda o vemos num acto solidario de minoria, tipo marcha; tipo manifestação a favor das uniões de facto!
E esta, hem?
Ter que a andar p'ráqui a falar em nome do bicho. Não basta não me deixar dormir, fazer-se enxugar quando chove, pedir comida (e não ser nada "boa boca"), e etc- e tal, ainda tenho de falar em nome do bicho.
Pois o Mountolive, a quem foi feita uma operação - contra um masculino mas pouco viril parecer - para lhe moderar os instintos da natureza em estado puro, parece ter recuperado "aquela coisa" e que não deixa os seus créditos por gatos alheios.
Esclarecido? Se tiverem aí por casa alguma gatinha, não confiem no que o veterinário diz ter feito e cobrado...
Quanto à dita fotografia do senhor NA, visível em "olhares" logo à entrada (embora seja uma foto de saída...), pode aparecer por aí sem quem me perturbe o mínimo. Se fosse "cheiros" já não digo o mesmo...
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