QUANDO UM HOMEM
TEM DE TER TRÊS METROS DE ALTURA
Desde que os meus documentos de identidade incluem dados antropométricos, isto é, desde que os serviços respectivos e responsáveis entenderam que eu atingira a estabilidade (provisória) em altura, sou obrigado a achar que tenho um metro e setenta e três centímetros.
Agora, tropeço nesta ficha da PIDE, com data de 18 de Abril de 1974, data da última (!) prisão, e vejo que a minha altura é de um metro e setenta e quatro. Terei crescido um centímetro face aos esbirros!
Bom sinal.
Do “estúdio” onde me fotografaram e mediram passei para a cela da prisão de Caxias e fiquei à espera.
De quê?
Da “ida à polícia”, dos interrogatórios, da tortura. Sem saber que tinha mais um centímetro! A caminho dos 3 metros de altura de que precisava!
Mas veio o dia 25 de Abril de 1974. E foram os portugueses que ganharam (não definitivamente) essa altura.
Há 32 anos.
5 comentários:
Nesta foto, nessa época, não tinhas um metro e setenta e três!
Cada dia que passava crescias!
A dignidade, a coragem, a valentia é de uma elevação, que não se pode medir!
Causa-me angustia, esta(s) foto(s)!
Que sentiria o resistente, neste momento?
Que receios, quantos pensamentos, num clic!
São fotos que comovidamente, as contemplo com todo o respeito!
Admiro teu sentido de humor!
GR
LISTA DE PRESOS POLITICOS COM MENOS DE 3 METROS LIBERTOS DE CAXIAS EM 25/4/74: Hermínio da Palma Inácio, José Manuel Tengarrinha, Maria Helena Vidal, Marcos Rolo Antunes, Mário Ventura Henriques, Nuno Teotónio Pereira, Figueiredo Filipe, António Luís Cotri, José Alberto Costa Carvalho, Mateus Branco, Fernando Pinheiro Correia, Maria Helena Neves, Victor Manuel Caetano Dias, Joaquim Gorjão Duarte, José Manuel Martins Estima, Pedro Mendes Fernandes Rodrigues Filipe, Orlando Bernardino Gonçalves, José Pereira Fernandes, Norberto Vilaverde Isaac, Manuel Luís Judas, Albano Pedro Gonçalves Lima, Victor Serra Lopes, José Rebelo dos Reis Lamego, Carlos Manuel Simões Manso, Horácio Crespo Pedrosa Faustino, António Pinheiro Monteiro, Maria Elvira Barreira Ferreira Maril, Armando Mendes, Liliana de São José Teles Palhinhas, António Manso Pinheiro, João Duarte Pereira, Eugénio Manuel Ruivo, Maria Rosa Pereira Marques Penim Redondo, Fernando José Penim Redondo, Fernando Domingos Sanches, Manuel Gomes Serrano, Ezequiel de Castro e Silva, Carlos Manuel Oliveira Santos, José Adelino da Conceição Duarte, Acácio Farajono Justo, Rafael dos Santos Galego, Ramiro Antunes Raimundo, Margarida Alpoim Aranha, Luís Manuel Victor dos Santos Moita, Maria Vítor Moita, Manuel Policarpo Guerreiro, Maria Fernanda Dâmaso de Almeida M. de Figueiredo, Manuel Martins Felizardo, João Filipe Brás Frade, Joaquim Brandão Osório de Castro, Fernando da Piedade Carvalho, Carlos Alberto da Silva Coutinho, Maria de Fátima Pereira Bastos, Maria Rodrigues Morgado, Carlos Biló Pereira, Fernando Nunes Pereira, Ernesto Carlos da Conceição Pereira, António Manuel, Gomes Da Rocha, António Vieira Pinto, José Casimiro Martins Ribeiro, Henrique Manuel P. Sanches, Mário Abrantes da Silva, José Oliveira da Silva, Amado Jesus Ventura Silva, Manuel José Coelho Abraços, Manuel dos Santos Guerreiro, Maria Manuela Soares Gil, Luís Filipe Rodrigues Guerra, João Boitout de Resende, Álvaro Monteiro Rodrigues Pato, Ramiro Gregório Amendoeira, Vítor Manuel Jesus Rodrigues, Abel Henriques Ferreira, Ivo Bravo Brainovic, José Alves Tavares Magro, António Diasa Lourenço, Rogério Dias de Carvalho e Miguel Camilo.
Era ateu e não confessava os pecados mortais. Era poeta de horas vagas e homem de esquerda, duas actividades clandestinas e dois lugares-comuns que sobressaem entre os lugares-comuns. A porta fechou-se-lhe atrás das costas com um salto da mola que lhe causava sempre uma espécie de sobressalto, como se esperasse uma pancada por trás, uma paulada na cabeça, um soco no pescoço. O reflexo de Pavlov ficara-lhe das noites passadas nos esconsos da António Maria Cardoso, com os pides a jogar pinguepongue com as perguntas sobre comunistas e socialistas e a jogar boxe com a tola dele a fazer de saco. Nessas alturas, arrependia-se de não se ter ido embora como tantos outros, de ter julgado que o 25 de Abril não iria, não poderia durar sempre, e que o país acabaria por soltar-se, com a ajuda da Europa, dos americanos, do mundo civilizado, da garra dos generais da Junta. Mas o 25 de Abril durara tempo demais, a mocidade esgotara-se-lhe entre os rituais de orangotango amestrado da Mocidade Portuguesa e os rituais dos gorilas da ditadura, na selva do planeta dos macacos. Assim passara, como num filme a preto-e-branco, os anos a que chamam os melhores da nossa vida.
Ó meu Caro ma, ao que o meu amigo me obriga. Não que me queixe, mas não queria tanto protagonismo. Vou explicar, por post no anónimo porque não ficarei na História!
E vou tentar fazê-lo em 100 palavras!
Aqui deixo apenas dito que falta o meu nome nessa lista de presos em Caxias, tirada por jornalistas, porque o fizeram a partir das fichas e a minha já estava - e está - na minha mão!
Resposta ao 2º comentário.
Só posso dizer que me comoveu o que li.
E apenas acrescento que os melhores anos da nossa vida são todos os que vivemos lúcidos e a lutar. Podem chamar a uns mais melhores que outros a partir de critérios etários, mas temos de ter outros critérios.
Um apertado abraço "à urso" (como diz o outro)
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