2006-03-29

foto&legenda # 18

Não sei quantas, em número certo, mas foram muitas as vezes que enfrentei este meu vizinho, quase sempre com os seus braços jogados para trás, abertos. A última vez que lhe encontraram as mãos, como se fosse um cadáver, não foi apenas para conter a noite. Aconteceu-lhe isso, como pena longa, no mesmo dia em que abandonaram a casa que ele ainda guarda, junto com os degraus falseados pela erosão, armados em meio círculo, escondidos e esquecidos atrás das suas duas abas. Como outrora testemunhou dores e vigiou urgências passadas através de si, agora segura jogos e corpos de infância. Porque é de ferro, o corpo do meu vizinho resiste, soberano, preservando as suas solenidade e elegância graves. E, tão velho quão imponente, já memória e ainda presença, subsiste a bandeira da minha rua. Não porque, aqui, seja a maior portada sob o nome de Teófilo Braga, mas porque é o limiar que, franqueado, mais tempo cumpriu e defendeu qualquer dos frontispícios desta artéria.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

3 comentários:

Anónimo disse...

Bravo SF

Sérgio Ribeiro disse...

De aqui és e de aqui mostras ser, vizinho e amigo da rua Teófilo Braga, que outros nomes teve e (talvez) terá mas que será, sempre, a rua do Hospital. E que é a rua em tu vives e onde percorres as noites e as fazes viver, abrindo-nos portas e portões que fechados não deviam estar.

Anónimo disse...

É sublime a forma como escreve!
Dá vida a uma memória, há muito desaparecida (!)
A fotografia é muito bonita!

GR