2009-08-16

foto&legenda # 441 (man kann nur werden insofern man schon ist)

Por ser intemporal, deus está dispensado das horas, as extras incluídas. Os mortais, esses, vivem sob o espectro da demora e do ritmo que, passando em contínuo, os afasta e aproxima de si. O tempo leva-os e, no mesmo trânsito, levam o tempo que depois já não será mas será ainda com eles. Este é o processo pelo qual somos. O horto espera por cada um de nós, espera-nos em apelo e destino, para cumprirmos as vésperas. Por impulso ou vocação, correspondemos-lhe, levando connosco a alfaia adequada para a cesura que iniciará o futuro. Futuro, o esquecimento que seremos, o esquecimento que haveremos sido.
fotografia © Tiago Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

foto&legenda # hors-série (das continuações, xxv)

Imagino o diabo a dançar, a fugir-me do corpo e a levá-lo. Imagino os passos, a performance, imagino-me quase um centauro e a combinar-me somaticamente com o chão. Danço mal, mas na minha imaginação posso e consigo dançar bem. O esforço é pequeno e compensador. Necessito de deslumbrar-me a mim, a mim apenas, ninguém mais. __________ Continuar faz-me consciente do fluxo em que participo. Desvio-me muitas vezes da ausência, uma certa ausência, e persisto na consequência do que sou, partilhando o amanho de condições que não dependem de mim, que não controlo ou sobre as quais tenho um impacto remoto. Não confio nas disposições ou na vontade. Admito contingências, as interiores e as exteriores. Ouço sete diabos, dançam num cabaret, e constato que não tenho numa mão ou num pé o número de dedos suficiente para contar tantos diabos. Imagino o diabo a dançar, imagino sete diabos, uma coreografia para a minha fraqueza. _____ Nunca fiz planos para dominar o mundo, bastou-me sempre a sensação de ser capaz de perder-me no lugar que habito, pelo menos até ao momento em que vingou em mim a precisão de continuar. Provavelmente precisão de continuar a perder-me onde estou, onde posso estar.
fotografia © Stephen Dewhurst
legenda © Eliz B.

2009-08-11

Antefuturo

No domingo, dia 16 de agosto, pelas 17.00 horas, na galeria municipal de Ourém, será inaugurada a exposição Antefuturo, constituída por fotografias do Tiago Gonçalves. Resumidamente, o que irá ser patente é o «resultado da recolha de imagens feita de forma cúmplice entre a sua objectiva e os seus avós paternos e maternos». Sugestão e exortação: a partir de 17 de agosto e até 6 de setembro, de terça-feira a domingo, entre as 10.00 e as 13.00 e as 15.00 e as 19.00, arranjar tempo - basta um bocadito de futuro -, subir ao morro do castelo, ir à praça do pelourinho (39º 38' 33,95'' N, 8º 35' 27,10'' W) e apreciar o trabalho do rapaz.

2009-08-02

foto&legenda # hors-série (das continuações, xxiv)

Se o meu corpo fosse moderno, não haveria de sofrer a memória e o atraso em que ela me consome. Pelo contrário, haveria de sentir o estilo que o meu corpo suporta, o esquecimento que sou, sem tentar. E depois? _______________ Repito a pergunta a cada desmoronamento que observo. Os desmoronamentos são frequentes. Habituei-me às ruínas, mas não à cerveja adamada, própria para os mortos que as ruínas celebram. Estou quase a esquecer Bukowski e Lowry, não a admitir tirar o coração do peito e escondê-lo para me acontecer a imortalidade. O veredicto da continuação não é a imortalidade, é a sobrevivência. _____ O corpo é um modo de perseguição, isto não esqueço. Se é outro começo, é a mesma culpa, a culpa que me apazigua. Ocupo-me de coisas menores para colher a soberania que posso ter sobre mim. Condição ou processo, sou continuação, quero ser continuação. Não desejo morrer feliz.

fotografia © Mario Testino
legenda © Eliz B.