2007-12-31

foto&legenda # 386 (à esquerda)

Dou uma atenção particular às coisas que posso perder. Para, perdendo-as, preservar o património possível da sua perda e tentar com mais amparo a direcção e o sentido que permitem continuar, sem ser em regime de perseguição.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-12-28

foto&legenda # hors-série (ми́ша кала́шников)

O tempo era o da imitação, da estrada mesma e única. Havia sombras sem luz, contrastes vindos não se sabe bem de onde e alguma precaução de cada um dos lados, para não apontarem-se os seus interditos. Era um tempo arrumado, de fim. A paz vinha em vinhetas e impunha-se. Era uma arrumação estranha, a que o hábito nos arrumou.
fotografia © João R. Santos
legenda © Sérgio Faria

2007-12-26

foto&legenda # hors-série (geração post marvel)

Depois da revolução veio o cansaço, não a derrota. Veio o enunciado exigente da realidade. Veio o som das portas a fechar, do correr dos ferrolhos, das fechaduras a trancarem. As noites tornaram-se iguais ao que eram antes. A última oração já a escrevemos na parede. A parede é a última janela. Foi o modo de render testemunho do que nunca vimos ou ouvimos. Já não há heróis. Então decidimos criar outros. E soltá-los da imaginação e do futuro que já não acontecia. Cansados, nós ficámos, continuámos a ficar. E a essa continuação chamámos vida.
fotografia © João R. Santos
legenda © Sérgio Faria

2007-12-24

foto&legenda # hors-série (chlapec)

Nasceu o menino. Rapaz. Dizem o unigénito. Deus deu-lhe o mundo para que pudesse aprender. Parece que, sem o mundo como recreio, não conseguia dar-lhe a lição. Deus é indirecto.
fotografia © João R. Santos
legenda © Sérgio Faria

2007-12-22

foto&legenda # 385 (a morte de uma noite de outono)

Pegou o bicho-pé e a máquina-óculos, estilo moderno, para andar e ver melhor. Como quem se aproxima da própria pele, acercou-se do valado e aí testemunhou o bacilo do solstício. Diante de si era já o inverno. A trincheira que tinha a missão de o segurar estava a ceder. Sentiu, nada havia a fazer. O contágio haveria de acontecer, o inverno propagar-se-ia, qualquer que fosse a sua acção ou a sua omissão. A natureza está sempre a compor o requiem das suas estações.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-12-21

foto&legenda # 384 (somehow you’ve red-rovered the gestapo circling my heart)

Quando eu disse que queria ser um power ranger, tu disseste que era preferível ter uma espada laser. Eu acreditei e fiquei diante de ti como disseste, pequeno e desarmado. Depois cresci, quis ser como o robocop e tu disseste que isso, ser cyborg, estava fora de moda. Uma vez mais baixei os olhos, encaixei as mãos nos bolsos das calças, já não dos calções - que entretanto tinham deixado de servir-me -, embora, então, ainda que fosse evidente a minha rendição, tivesse desejado resistir e reagir à tua soberania. Não consegui. Dos teus olhos vinha uma força que me vencia. Enganaste-me sempre com a tua coragem. Por isso deixei de olhar-te nos olhos e, fingindo o triunfo, deixei de contar-te os meus medos também. O que, agora, admito, é o modo como continuas a prender-me.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-12-19

foto&legenda # 383 (wacky races, ii)

Do mesmo modo que há uma escala das transumâncias, há uma escala das ilusões. Aliás, depois de deus, há quase tudo. Não por acaso, agora apenas a velocidade, a última propriedade divina, guarda o limite do que é possível. No momento em que conseguirmos ser ainda mais rápidos, no momento em que as máquinas permitirem ir além do limite do que é possível, deus será definitivamente ultrapassado. Este enunciado do avanço, deus por uma máquina, está quase consumado. Quando estiver, então, alcançaremos a condição de deus e o nosso nome. Deus ex machina.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-12-17

foto&legenda # 382 (wacky races, i)

Aprendemos que nos veículos de chão, os automóveis, como nos veículos alados, os aviões, os pneus comportam-se sempre como animais rastejantes. Mas depois vêm os malucos das máquinas voadoras e viram tudo do avesso.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-12-14

foto&legenda # 381 (suite de metais, ii)

Como uma febre, os sons repetem-se de modo sincopado, preenchendo o vazio entre os corpos. Se tivesse que classificar o caso, arriscaria ostinato. Em intervalos regulares, o sopro produz o mesmo corte áspero no silêncio, encontrando uma harmonia estranha e o ritmo que ela consente. Ainda faltam muitos degraus para atingir o patamar de Davis, mas, sente-se, tentando-se o sopro, acrescenta-se um espaço novo sobre o espaço, comprimindo a dimensão que os separa. No momento certo, cumprindo a cadência, o sopro produz simultaneamente o rasgo e a união. Os corpos sentem isso e embalam. É porque dançam.

fotografia © Pedro Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

2007-12-12

foto&legenda # 380 (suite de metais, i)

A ordem é esta, primeiro o silêncio, depois a dança. É uma ordem como qualquer outra, que congrega ou aproxima os elementos. Mas não é eterna. A seguir a ordem dissipa-se e abre-se um vazio, para onde se precipita uma vaga de vibrações nova. Durante este processo, um novelo de sons atinge o sangue. A carne cora. Uma espécie de benção envolve-a. Ao mesmo tempo as sombras crescem e guardam os corpos sob a sua protecção. A luz traça golpes nos corpos. E, no plano onde, antes, o silêncio fermentava, o som transforma-se em jogo de gravidade. As órbitas que continuam, essas, são a necessidade feita pela dança.
fotografia © Pedro Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

2007-12-10

foto&legenda # 379 (o apocalipse de sansão)

A força da humanidade de um homem afere-se pela sua capacidade de derrubar os tempos templos em que o cativam.
fotografia © Pedro Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

2007-12-09

Foto&Legenda - II

Casa.
Escritório. pátio. Interior. exterior. Sombras. sol. Calor. frio.
Pedra. pedra. Flor. flor.
Vidro. janela.
Casa.

foto "caseira"
legenda Sérgio Ribeiro

2007-12-07

foto&legenda # 377 (a casa amarela)

À porta daquela casa havia um candeeiro para os cuidados. Depois do sol começava o inferno.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-12-06

Foto&Legenda de regresso e com título:________ Bem-aventurança

Retrato de gato com orelha revirada, um dentinho a espreitar, duas patas e meia, e de três dedos de mão de "dona" adormecida sobre o pêlo macio e quente. Tudo posto em sossego e tirando do viver o doce fruito.
foto "caseira"
legenda de Sérgio Ribeiro

2007-12-05

foto&legenda # 375 (dessedentar)

Um dos exemplos da soberania da espera é a espera dos copos, que, como virgens em repouso, esperam o seu motivo, para atenderem ao uso que as mãos lhe reclamam.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-12-03

foto&legenda # 374 (caderno do ditado da umbria)

Às voltas com o apagamento, ele segue os intervalos cortados da sombra, onde, pelos passos que conduz, descobre um caminho.

fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-11-30

foto&legenda # 373 (azul eléctrico)

O som é a imatéria que resulta da expansão que se estende desde o princípio de uma vibração particular até à respectiva periferia, extinguindo-se como e em silêncio no seu limite. A música é também esse efeito, porém é esse mesmo efeito recortado em cor, ritmo e tom. Embora a cor, essa, in an expression of the inexpressible, seja só para enganar.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-11-28

foto&legenda # 372 (zona mandrake)

Há muitos motivos de espanto. O gelo. As letras justapostas. As polaroids. Os truques com cartas. Mas, entre todos esses motivos e efeitos, talvez nenhum seja mais mágico do que a invisibilidade da música.

fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-11-26

foto&legenda # 371 (espectros bifacetados)

O lugar por onde entra o mundo é um mistério. Conhecemos as pessoas já no mundo, como se estivessem com ele desde sempre, isto é, desde antes. O que pode não ser verdade.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-11-23

foto&legenda # hors-série (babel, la belle)

No regime pós-babélico, ainda que em negativo, as palavras continuam a corresponder à mesma verdade e ao mesmo engano. Tudo permanece como antes. Há modos de afastar e modos de aproximar as pessoas, mas, agora, em mais do que uma língua e em mais do que uma tradução. Não por acaso a última língua de babel é o silêncio. Talvez um dia, quiça, possamos todos, juntos, chegar a essa língua e entender o mistério da diferença, rendê-la simultaneamente na sua unidade e na pluralidade das suas vozes. E, então, talvez possamos ficar calados, a dizer coisas uns aos outros em silêncio, até ser impossível dizer mais o que quer que seja, por tudo já ter sido dito e nada mais haver a dizer.
fotografia © Tiago Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

2007-11-21

foto&legenda # hors-série (pomsta králíků)

As paredes são as páginas de um livro aberto. É por isso que, depois do anúncio da vingança dos coelhos, será aí escrito o apocalipse de todas as espécies.
fotografia © João R. Santos
legenda © Sérgio Faria

2007-11-19

foto&legenda # hors-série (coqui fields forever)

Todas as formas suportam um modo de presença, mesmo que esse modo seja antigo, assente em degraus e usado para secar o conteúdo das vagens.
fotografia © Tiago Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

2007-11-16

foto&legenda # hors-série (a casa dos ofícios)


Emprestei as mãos a muitas matérias, a terra, a água, a madeira, os frutos, a carne. Como com as matérias foi com as artes, também muitas, umas maiores, outras menores. Mas a todas elas, matérias e artes, estas mãos atribuíram a mesma dimensão, a minha, e que é a dimensão do meu ofício de todos os dias, acrescentar-me, ser homem.
fotografia © Tiago Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

2007-11-14

foto&legenda # hors-série (livro das extensões)

Retiro-me destas páginas como extensão metafísica, prova de que não sou apenas quem sou. Aliás, se a terra a mim (cor)responde, é porque assim sou, mais completa do que apenas eu.
fotografia © Tiago Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

2007-11-12

foto&legenda # hors-série (os elementos da terra)

Sou no amanho telúrico, nas cautelas que meto a esta terra, para que ela renda o fruto que há-de evitar-nos a fome. Sou com ela a comunhão, porque o meu corpo e esta terra são uma só matéria, a mesma, para a qual declino a alfaia justa e as minhas orações. Que não me deixa falhar e pela qual sou, esta terra é também a testemunha dos meus dias e dos meus outros que são comigo sobre ela.
fotografia © Tiago Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

2007-11-09

foto&legenda # 370 (femme fatale)

Estou aqui, diante de ti, à espera que digas algo sobre nós, sobre o nosso futuro, mas basta que digas que me amas, que a minha carne é tua, que é dela que necessitas para viver e suspirar.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-11-07

foto&legenda # 369 (kanuni i lekë dukagjinit)

Por maior que seja o apelo, por maior que seja a sua guarda, esta corrida tem um preço que não podes pagar em fé. O sangue é pelo sangue apenas.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-11-05

foto&legenda # 368 (interzone)

Às vezes já não é necessário caminhar para chegar ao destino, quase parece que ele nos (a)trai, quedando-nos os passos e furtando-nos a hipótese de retorno, como se sob nós, os nossos pés, rolasse algo aquém da vontade de que dispomos.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-11-02

foto&legenda # 367 (arcádia cronenberg, ii)

Sou a buga louca. Canto la vie en close. E este excesso de proximidade perturba-me. As antenas e os estames confundem-me. Já não sei que cor sou. Se isto amarelo é o meu tom natural. Se é icterícia. Senhor doutor.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-10-31

foto&legenda # 366 (arcádia cronenberg, i)

Se tu és a Maia, eu sou a Heidi. Mas, olhos nos olhos, podes chamar-me o kamikaze dos pudins.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-10-29

foto&legenda # 365 (lá num país cheio de cor)

Maia é um nome de infância, um cortejo prolongado desse tempo, antes de antes, de quando ainda não tinha aprendido a gostar de mel. Depois cresci com esse e outros cortejos trancados dentro de mim. Alguns perdi-os, até ser incapaz de crescer mais. Mas a tudo com as suas cores, aos lápis, a uma gata, continuo a chamar o seu nome.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-10-27

foto&legenda # hors-série (o meu nome não é cão)

Ele é valente. O ar de Scooby-Doo, ai, ai que é um monstro, ai que ela vem lá, ai que é uma sombra má, ai que não traz caramelos, ai que é mesmo ela, ai ai, ai ai, é só para disfarçar. É como às vezes o Jack Bauer também faz.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Segismundo

2007-10-26

foto&legenda # hors-série (hino do ofício)

Este sujo que corre nas veias, este sujo do corpo fechado, este sujo da mortificação, este sujo a céu aberto, este sujo que vem do tempo em que o vinil rodava e nele picava uma agulha, este sujo concreto e da consciência, este sujo, que é meu, não pertence à nossa senhora da nossa morte.
fotografia © Carla van de Puttelaar
legenda © Segismundo

2007-10-24

foto&legenda # 364 (muž)

O diálogo é um modo de as partes da imortalidade se encontrarem. Sabendo isto, quando querem conversar, os embaixadores de tais partes combinam encontro e sentam-se na cúpula de edifícios próximos, cada um numa, para não terem que elevar a voz e não correrem o risco de serem ouvidos por estranhos, os mortais. O que se segue, raridade, é o excerto da reportagem de um desses encontros.

* * * * *

Naquele instante ambos verificaram o mesmo homem, que passava lá em baixo. Interrompendo a sequência do diálogo, Marbuel saiu do lado da sombra. Sim, a hominidade, mas Kant talvez tenha sido excessivo. Repara, aquilo que vale para um homem não vale necessariamente para todos os homens. Este, parece-me, é o primeiro problema. O segundo problema decorre da acentuação do absurdo pressuposto neste. É que, admita-se circunstancialmente a hipótese, ainda que aquilo que vale para um homem e todos os outros fosse o mesmo, isso não valeria necessariamente sempre para todos eles. Pelo que, insisto, para além do problema associado à definição do mínimo denominador comum da hominidade, há o problema da paz perpétua. Permanecendo sob a claridade ténue do dia, Ariel, que continuou a olhar para o homem, agora quieto ou quase, como se posasse para uma arma, à espera que qualquer bala ou rajada o fulminasse, reagiu com amuo. Mas para mim o problema é outro, mais evidente, percebes? Ninguém pode ser deus sem deus.
fotografia © Johan Ríša Svatí
legenda © Sérgio Faria

2007-10-22

foto&legenda # 363 (anděl zvěstování)

Venho anunciar-vos a queda, o chão sem remissão. Que os estandartes derrubar-vos-ão, levar-vos-ão abaixo da razão, até chegarem à condição sem voz. Então sereis ninguém, pó apenas e o seu peso. Agora, sicut erat in principio, et nunc, et semper, já é tarde para orações. As vésperas terminaram e caíreis todos, juntos, ainda antes das completas, sem tempo para a absolvição. Uns tombarão calçados, outros tombarão descalços. O meu nome é Marbuel.
fotografia © Johan Ríša Svatí
legenda © Sérgio Faria

2007-10-19

foto&legenda # 362 (no foyer do hotel das demoras)

O trânsito é o interlúdio entre as esperas. Distingue-se por ser o tempo das bagagens.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-10-17

foto&legenda # 361 (interlúdio, suite ballard)

Isto, sim, é uma espécie de vida, tower control, tower control to mister bishop, estar aqui, neste balcão sobre a avenida principal, a observar a patrulha a cavalo da guarda nacional republicana, mister bishop take that horse, take that horse down, estar aqui a assistir à coreografia do desfile, a cumprir a defesa e a obediência devidas, the queen is dead now, quando tantos andam por aí a hesitar, a ter dúvidas sobre como comportar-se e as regras do jogo, mister bishop take that white horse down, numa esperança que os cativa e simultaneamente rescinde, que os transforma em dígitos, em conteúdo de um rótulo, well done, mister bishop, well done, numa esperança quase fatal, xeque, the king is quiet, ou fatal, mesmo, xeque mate, the king is also death, feita em destino do qual não é possível renúncia, tower control over, over and over again, a que se segue uma condição perdida, em que se começa a ver mortos, over and over again, em que se começa a sentir a deterioração do sangue, em que os selos de correio começam a amargar e por isso deixa-se de ser capaz de enviar cartas, we’re no longer here, mister bishop, condição agravada pelo facto de não se conhecer o código postal do destinatário e por a alternativa, telefonar, ser dispendiosa, we’re already in another game and you’re in that same game, mister bishop, por, na prática, não haver alternativa e não haver hipótese, you’re not alone, mister bishop, you only lost your position, por tudo ser uma ilusão, por não estarmos aqui, neste balcão sobre a avenida principal, stay with us, mister bishop, don’t be a loser, por ser-nos exigido um crédito em credo de regras, por já apertarem as algemas e não termos mais fígado, por a pedra continuar a rolar todas as vezes que alcança o topo, do you want to lose yourself?, mister bishop, is that what you want?, por não ser possível continuar a abafar o grito e a conter as mãos quietas, por a raiva crescer, the white horse is already down, mister bishop¸ por crescer a necessidade de evasão com ela, a necessidade de ser solto, de ser para além das quadrículas, desta espécie de vida apertada, goodbye, mister bishop, you’re no longer our piece in the best position, fechada dentro do quase nada que, cada um por si, somos, tower control rzzz tower brzzzzzz rzz wer control rzzz brzzzzzzzzzzz, e continuamos a ser.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-10-16

pá, há muitas fotografias de ventoinhas grandes no blog do Paulo. vá, vão espreitar os jardins de aço.

2007-10-15

foto&legenda # 360 (o alfalto de uma noite)

Talvez a interrogação seja um modo do caminho. Talvez a escuridão seja a condição da luz. Talvez a noite seja a matéria do lugar mais íntimo, a intimidade, pela qual se entra na descoberta ou sai daí. Talvez a cidade seja a repetição urbana da fórmula «cada coração é um santuário, casa para irmãos». Ou talvez o caminho não seja este, mas outro, não outro qualquer, mas o caminho certo, mais encostado aos ossos do que às sinapses.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-10-14

n’a imagem

filme © rg animation studios
pá, permitam-me esta nota de intendência, que estou tipo cão, com o rabinho a dar a dar, contentinho da Silva Faria. primeiro porque o José Boldt permitiu o uso da fotografia exposta abaixo. como é regra para todas as fotografias, mas para esta muito em particular, cliquem sobre ela e vejam-na em todo o esplendor, para ficarem ainda mais arrebatados. depois estou para aqui com o rabinho a dar a dar porque o Paulo, de quem já foram publicadas bastantes fotografias neste blog, tem uma amostra do seu trabalho estampada na Única (pp. 96-100), revista que faz parte da edição de ontem do Expresso (n.º 1824, 13.Outubro.2007). ainda por cima, as fotografias do Paulo têm daquelas ventoinhas gigantes que me fazem sentir uma espécie de dom Quixote. ui.

2007-10-13

foto&legenda hors-série (avé)

Feita a luz, no princípio do mundo havia imagens agarradas apenas na superfície da água. Com a luz veio o tempo. Depois veio a separação mosaica das águas. Veio a água benta. Veio o sol a dançar. Veio tudo e o que ainda está para vir. E, como no princípio do mundo, continua a haver imagens agarradas na superfície da água, aos nossos pés.
fotografia © José Boldt
legenda © Sérgio Faria

2007-10-12

foto&legenda # 359 (a talha dourada)

O ouro, a outra matéria da mesma febre chamada fé.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-10-10

foto&legenda # 358 (segundo plano)

Frequentemente clamo morte aos artistas. Mas depois fico quieto, a contemplar, no atraso que devolve alguma justiça à perspectiva. É uma forma de engano como outra qualquer.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-10-08

foto&legenda # 357 (the ground beneath her feet)

Ainda julgas que é a natureza, a natureza apenas, sem o empenho e o valor acrescentado da mão de obra, que providencia o chão que pisas?

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-10-05

foto&legenda # 356 (empório)

E depois percebe-se que a melhor forma de dizer a presença é através do silêncio e que um dia o ritual da sua celebração será justamente esse silêncio, nada mais.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-10-03

foto&legenda # 355 (houdini & mandrake)

Nada fazia supor o facto. Havia um hotel estritamente reservado a ilusionistas, onde cada ilusionista podia pernoitar uma e uma só noite, excepto se conseguisse transformar a noite em dia. Se o conseguisse fazer, o hotel passaria a estar aberto a outra clientela e permitir que os clientes dormissem aí à hora que desejassem, à noite, de manhã ou à tarde, o número de dias que desejassem, sem qualquer objecção da gerência.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-10-01

foto&legenda # 354 (ensaio para teleférico)

Porque a suspensão não é eterna, devemos levantar-nos até onde a pátria alcança e arranjar transporte também erguido, adequado a esse nível, porém em regime low cost, para a mais ser mais acessível. E a esse transporte de categoria elevada, embora rés-o-chão e não sidéreo, chamar-se-á «a estrela de David».
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-09-28

foto&legenda # hors-série (na casa da floresta)

Muitos dias depois voltei as costas. O jogo foi interrompido. Os lobos já me conheciam, mas continuavam a tentar enganar-me.
fotografia © Alison Brady
legenda © Sérgio Faria

2007-09-26

foto&legenda # 353 (western babilónia)

Sou tudo o que escondo ser e tudo o que mostro. Já fui cowboy, já fui mais novo, muitas lendas. Já fui e ainda sou plataforma e margem. Não é pelo meu rosto que me conheces ou reconheces, porque, para me conheceres, necessitas de mais justiça do que aquela que atribuis ao meu rosto. Sou mais do que isto, face, e mais do que me retribuis por ela. Pela minha face resumes-me e encontras-me apenas. Até pelo meu nome apanhas-me mais. Sim, sou autêntico, tenho impressão digital, tenho nome. Eu ajudo-te, não me chamo Jesualdo Ferreira. Estou aqui.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-09-25

foto&legenda # 352 (postal a um dono)


ao meu pai adoptivo

Tenho que ir. Não porque queira. Nem precise. Vou porque tenho que ir. São os odores. Chamam-me. Não os que emano. Os que trazem promessas. Hipnotizam-me. Promessas de me perpectuar noutros como eu. Os que me adoptaram sabem o que sou. Mas custa-lhes que parta. Custa-lhes não entender os odores. E quando não entendem, revoltam-se, chateiam-se. Devia ter deixado um aviso no lar adoptivo: cuidado com o dono.
fotografia © Pedro Gonçalves
legenda © Mário Abreu

2007-09-24

foto&legenda # 351 (sequência nocturna)

A tua mão permanece fechada. É assim que as coisas começam. A cidade é uma máquina de fazer noites.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-09-21

foto&legenda # 350 (quiromancia)

Abre a palma da tua mão, noite, mostra-me as linhas da tua identidade, guia-me aí. Incendeia a solidão comigo, negro conta o teu negro. Somos todos sozinhos, a esta hora e às outras. Não consigo o fogo que trazes, não sei o martelo que te acende. Fúria, talvez. Não sei. O estrondo é primeiro, espécie de aviso. E depois é o lume riscado a raios ac/dc sobre o ébano nocturno, caçador high voltage de trevas. Não sei. A tua mão permanece fechada.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria