2009-12-24

foto&legenda # 450 (anjos aí)

Temos que aproveitar e explorar as oportunidades de negócio. Onde é que encontramos anjos?, na américa, não é? Pois agora, a troco de um montante módico, qualquer pessoa pode ser anjo. Pode escolher o tipo de plumas - temos vários tipos, desde o mais convencional até ao mais exótico -, também pode escolher a envergadura das asas e a forma de recolhimento pode ser mais discreta ou mais petulante. Já não há motivo para quem quer que seja e que queira ser não seja anjo. Vontade e um montante módico é quanto basta. O resto é por nossa conta. Temos catálogo para consulta e, claro, o nosso produto tem certificado de garantia, contra defeito de fabrico ou de montagem, válido por vinte e quatro meses. Tendo em conta que os anjos têm uma esperança de vida equivalente à duração de um contrato de trabalho com termo certo, diz-nos a experiência que vinte e quatro meses de garantia chegam e sobram. Não, a inflacção não interessa. O desemprego também não. Fixe-se nesta expressão, preço módico. Preço módico. É de campanha de natal. Não, nós não fazemos saldos. Fazemos campanhas. A próxima só na páscoa. Nessa altura contamos ter a gama dos nossos produtos melhorada e alargada. Também teremos cepos. E cavilhas de níquel, tipo prego de solho. Para o efeito que é, é suficiente. Não, a manjedoura é um produto de época, só temos agora. Passada a quadra, deixamos de ter, só voltamos a ter no ano que vem. Sim, sim, é para o produto não se deteriorar. Fardos de palha?, isso temos durante o ano todo. Também temos em cápsula, temos, sim senhor. Sim, sim, tem razão. Não podemos ser todos anjos. As cápsulas?, há de vários sabores. É uma questão de paladar. Gostos não se discutem. Não podemos ser todos anjos, mas quase todos podemos ser. Temos um sistema de pagamento adequado a cada caso, em prestações suaves, caso seja necessário. Preço módico, prestações suaves, como as plumas. E ecológico.
fotografia © Pedro Figueiredo
legenda © Sérgio Faria

2009-12-16

foto&legenda # 449 (exit)

As tuas costas são um sinal. Vejo sete torres, sete sinos, e apenas uma saída. Eu fico, sou o atraso.
fotografia © Pedro Figueiredo
legenda © Sérgio Faria

2009-12-08

foto&legenda # 453 (københavn, etapa do apocalipse)

Num lugar dizem a esperança. É autenticamente a ilusão de que continua a haver princípios, de que a função reset está disponível para o mundo. Não está. A revolução é inevitavelmente para o mesmo. Somos filhos de Δαίδαλος, ainda não aprendemos a cair sem fim, apenas caímos, sem hipótese de recomeçar, continuamos a cair. A continuação assim é a série que corresponde ao desespero, é o processo que suscita e transporta a consciência de que a morte não resolve o mal sem cura de que padecemos como comunidade e cada um de nós padece também. A impossibilidade da morte como solução é uma doença mortal, é a condenação à falência. Falha a fé, falha a dialéctica, falha o retorno eterno, falham as modalidades de habitação do parque humano, do absoluto que o habita. Agora, que dura a cerca de meia hora de silêncio após a quebra do sétimo selo, resta o fim. Como não somos capazes de sair do tempo, ainda imaginamos moinhos, inventamos relógios gigantes com três ponteiros para combater o atraso. Mas o atraso é já demasiado. Nas fontes, nos rios e nos mares haverá absinto. Nos chãos haverá apenas areia, cinza ou sal. No ar haverá fumo negro e perfume de enxofre. Ninguém existirá para continuar a imaginar moinhos. Esquecidos todos os hinos, esquecidas todas as orações e todas as intenções, sobreviver-nos-á o ocaso.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2009-12-01

foto&legenda # 452 (zero a zero)

Isto é a sério. Se alguém é adepto de Rui Santos, essa espécie de prof. Marcelo da bola, que esqueça e siga, isto não é uma petição para refinados. O futebol é um jogo. Confrontam-se duas equipas, sob regras determinadas e simples. Os objectivos de cada equipa são claros, não sofrer golos na baliza a defender e marcar golos na baliza a atacar. No confronto entre as equipas, são objectivos mútuos e contrários. Da conjugação de tais objectivos podem resultar cenários distintos. No estádio actual de desenvolvimento do jogo, importa destacar três, no sentido em que os restantes são variantes de um deles. Um desses cenários – instituído como propósito maior do jogo – é a vitória de uma equipa (e a consequente derrota da outra), decorrente do facto de ter conseguido marcar mais golos (do que a outra). Outro cenário é o empate com golos, decorrente do facto de cada equipa ter marcado um número de golos igual ao que sofreu. Outro cenário ainda é o empate sem golos. Nos dois primeiros cenários compreende-se que haja atribuição e distribuição de pontos. No primeiro cenário são atribuídos três pontos à equipa vencedora e nenhum ponto à equipa derrotada. No segundo cenário é atribuído um ponto a cada equipa. No último dos cenários referidos não se compreende que haja atribuição de pontos. É certo que o empate sem golos é um empate, no sentido em que nenhuma das equipas se sobrepôs. Mas é menos do que isso e é muito diferente do empate com golos. O empate sem golos é um empate em que cada equipa não cumpre o mínimo, não demonstra capacidade de vencer, porque incapaz de marcar golos. Enquanto resultado, o empate sem golos corresponde à situação que há no momento exacto em que começa o jogo. Em tal circunstância as equipas equiparam-se na impotência, não na potência. É como se o jogo não tivesse acontecido. Ou seja, o empate sem golos é um empate a zeros, é o fim do jogo equiparado ao princípio. Quando assim é, deve valer nada, nenhum ponto para cada equipa. O futebol não é para mansos. Para esses há o curling e a tourada.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2009-11-27

foto&legenda # 451 (mad tea party)

Antes. Estava a pensar. Talvez. Podemos ir a um baile de cartas, eu levo o baralho. Comparecemos, bebemos chá, comemos pastéis de nata. Não haveremos de ser mais estranhos do que os outros. Depois. Também te. Ainda me custa dizer as palavras todas, sabes?, pareço doida. Quando as digo parece que fico com a língua dormente, como quando a queimo. Não, ainda não. Os lugares estavam todos ocupados. Ainda depois. Rainha de copas, rei de espadas, ela ou ele morreu. Não sei qual é o trunfo. Também não interessa. Os pastéis de nata estão quase a chegar. Julgo que foram convidados, não sei. É-me indiferente a condição em que vêm, não estou a pensar dançar com eles. Sei, sei que pareço doida, as palavras entorpecem na minha boca. Estão a aproximar-se, eles, estão a aproximar-se.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2009-11-18

foto&legenda # 448 (they die with their boots on)

Caminhos, eternamente o mesmo caminho, a ronda dos lugares, o transporte mais óbvio pelo qual vamos. Assentamos sobre ele desde o princípio. E aí, kemo sabe, a roda foi inventada apenas depois da invenção dos pés e dos cavalos, é reino só para calçados? ou podemos caminhar como quisermos?
fotografia © Pedro Figueiredo
legenda © Sérgio Faria

2009-11-07


Hoje e amanhã são os dias derradeiros da exposição Nha Gente Guiné Bissau. Por isso, reitere-se a sugestão e a exortação: entre as 10.00 e as 13.00 e as 15.00 e as 19.00, é aproveitar. Subir ao morro do castelo, ir à praça do pelourinho (39º 38' 33,95'' N, 8º 35' 27,10'' W) e apreciar uma série de fotografias do Pedro Gonçalves.

2009-10-30

foto&legenda # 446 (o fumador)


ao Rafael Frias

Isto dos alentos e dos desalentos é como a meteorologia, depende das condições atmosféricas, as pressões altas, as pressões baixas e as depressões. Não se pode dizer sempre acentuado arrefecimento nocturno, sim, minha senhora. Às vezes, mais cigarro, menos cigarro, as coisas são ao contrário. Vício, virtude, o fumador transfere a pressão para a aspiração do cigarro e o cigarro cede. Os cigarros cedem. Regra, levar um maço deles no bolso, não vá o diabo tecê-las. Tece-as muitas vezes. Convém estar preparado. E depois, não obstante a preparação e o treino, não há tempo para fumar. Um gajo vai, por iniciativa própria ou levado, e esquece-se de fumar. Um gajo esquece mesmo que fuma. Os pulmões estão cheios de outra matéria, apertos, assuntos graves. Há quem lhes chame emoção ou comoção. Há alívios e seguranças que os cigarros não permitem. O vê que alguém vê entre lágrimas não é de vitória, é de vassourada. O fumador leva os louros, leva os trabalhos também. Acentuado arrefecimento nocturno, sim, minha senhora, foi um episódio que acabou. Agora é hora de regressar à culpa.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2009-10-23

foto&legenda # 447 (cidade de deus)

De todos os lugares, a cidade de deus. Nunca a vi. Ouvi dizer que foi concebida e desenhada por um arquitecto fabuloso. Que tem bairros perfeitos, cortados em esquadria, ruas largas, passeios largos também, em calçada portuguesa, jardins para embelezar, rega gota-a-gota, candeeiros. Que é um lugar para todos. Um lugar para todos?, não sei. Um lugar para todos parece-me tanto improvável quanto indesejável. Os mortos são enterrados justamente para que o chão deles seja diferente do chão nosso. Mais do que uma questão de respeito, é uma questão de segregação, ou seja, de economia. Se todos somos muitos, um lugar para todos há-de ser um lugar inabitável. A cidade de deus?, repito, nunca a vi. Prefiro as cidades acesas, sem ordem ou prescrição, animais bravios, eléctricos, que os meus olhos também não vêem.
fotografia © Pedro Figueiredo
legenda © Sérgio Faria

2009-10-16

foto&legenda # 445 (o ascensor)

Dizemos muitas vezes a espera. Somos nómadas. Subimos e descemos, consoante a imposição e a vontade. Às vezes descemos quando queremos subir, outras vezes subimos quando queremos descer. Outras vezes ainda queremos apenas ficar, não subir ou descer, e subimos ou descemos. O contrário também sucede. E esperamos o transporte que nos leva e dá o sentido. São demasiados os patamares da vida e os acidentes de quem sobe e desce. Parece que apenas no momento derradeiro temos a capacidade do movimento duplo e contrário, descemos com o corpo enquanto a essência da alma ala às alturas. Há muita gente a ver fantasmas.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2009-10-10

Nha Gente Guiné Bissau


Hoje, na galeria municipal de Ourém, será inaugurada a exposição Nha Gente Guiné Bissau, constituída por fotografias do Pedro Gonçalves. Resumidamente, irá ser patente um conjunto de rostos de pessoas da Guiné Bissau, que a objectiva da máquina do Pedro capturou aquando a passagem dele por aquele país (para mais pormenores, clicar na imagem e ler o texto, que merece ser lido). Sugestão e exortação: a partir de 10 de outubro e até 7 de novembro, de terça-feira a domingo, entre as 10.00 e as 13.00 e as 14.00 e as 18.00, arranjar tempo, subir ao morro do castelo, ir à praça do pelourinho (39º 38' 33,95'' N, 8º 35' 27,10'' W) e apreciar o trabalho do moço. Na tarde deste sábado é possível encontrar lá o artista. Quem quiser dar-lhe um abraço e agradecer-lhe o trabalho pode aproveitar a oportunidade.

2009-09-14

foto&legenda # hors-série ()

neste poema falta um gato. nada posso
fazer. chamei-o mas ele afastou-se
e enroscou-se, no lugar onde costuma
dormir, à espera de uma mão que o afague
onde ele está. não posso valer-lhe.
as mãos que tenho não alcançam as mortes
pequenas, estão a oficiar este poema,
uma sobre a folha, a outra a conduzir
a esferográfica, a escrever o luto
que não declaro ou pretendo, porque é fingido.

ainda vejo a luz contraída, o nevoeiro
parisiense, as pernas de uma mulher.
fotografia © Willy Ronis
legenda © serôdio d’o.

2009-09-13

foto&legenda # hors-série (das continuações, xxvi)

Toca-me o êxtase de não ser, a exaustão. É excessivo, eu sei, sinto, mas nada quero ou posso fazer a contrário. Sou sem desejos, o deslumbramento de quem não termina e não tem força para continuar a ser o mesmo defeito. Não consigo esquecer-te. O olvido perfeito não me acontece. Quero atender a culpa que consigo, sem a comodidade da remissão pela penitência. Quero que me suceda a alma partida. A continuação é uma sucessão de golpes pequenos. Os ângulos intumescentes ficam para trás. Esqueço a superfície, as arestas. Recordo os combates, o cerco das horas, os falanstérios da normalidade, a rotina. Há momentos em que, assim, o terror vem beijar-me e eu retribuo, com os lábios, a língua, a saliva, a boca toda. Sinto a memória a saque, a esperança a instruir-se como saudade. E eu queria apenas continuar.
fotografia © Rikki Kasso
legenda © Eliz B.

2009-09-11

foto&legenda # 444 (manhattan transfer)

Corpo a corpo, de ilha a ilha, o mundo de passagem, a américa inteira, land of the free, home of the brave, sangue a sangue, culpa a culpa, a minha, a tua.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2009-09-06

foto&legenda # 443 (gore de Gorey)

Só é uma palavra que lembra poemas de dolência moderna e filmes de terror. Só e sós, no plural da rendenção. É por isso que, para se sobreviver à sobreimaginação, é necessário não ver teelvisão em demasia. Operacionalizadas pela tecnologia, as improbabilidades acontecem cada vez mais conforme a confiança, facto que, pela rotina dos acontimentos e das hipóteses, tende a comprimir o imaginário. A esperança diminui, a certeza aumenta. Quando não sucede assim, há sempre alguém que chama um técnico para reparar o que está avariado, que aposta nos totos da santa casa da misericórida ou que investe em orações. Mas é ainda a realidade que nos obriga a imaginar a lâmina necessária para se chegar ao sangue, para se conquistar a refeição. Pois há criação que, sob a vontade nossa e a força que exercemos, dá o corpo por nós, sem precisar de passar pelo ritual da transubstanciação. Basta a morte e o amanho da carne. A fome faz o resto. Não há carne sem dor.
fotografia © Tiago Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

2009-09-05

Hoje e amanhã são os dias derradeiros da exposição Antefuturo. Por isso, reitere-se a sugestão e a exortação: entre as 10.00 e as 13.00 e as 15.00 e as 19.00, é aproveitar. Subir ao morro do castelo, ir à praça do pelourinho (39º 38' 33,95'' N, 8º 35' 27,10'' W) e apreciar uma série de fotografias do Tiago Gonçalves.

2009-09-03

Uma exposição, uma foto, uma legenda.

UMA EXPOSIÇÃO
Os olhos. Os olhos cansados. Os olhos atentos.
O afecto. A ternura. O amor de neto.
As mãos. Os calos. As deformações do ácido úrico.
As mãos abertas.
As mãos que afagam. A madeira. Os bichos.
Os bichos. Os bichos que con(nosco)vivem.
O gato saltitão.
O cão(com)panheiro.
A madeira, As ferramentas.
Os instrumentos de trabalho. As vidas que (se) moldam.
As fotos. O antefuturo. O futuro ante o passado.
O presente ante(s)passado.

UMA FOTO

No seu “missal”, ela, a Avó, aprende que Santo António nunca perdeu a paciência, e pede-lhe que ele - “Santo António, modelo de graça e paciência” - lhe dê a graça de sofrer com paciência os trabalhos e desgostos da vida. Também eu, que em outro “missal” aprendi e aprendo, peço que o saber e o querer e a saúde me dêem paciência… porque esta, a paciência, é revolucionária.

Como estamos perto!

exposição e foto de Tiago Gonçalves

legenda(s) de Sérgio Ribeiro

2009-08-16

foto&legenda # 441 (man kann nur werden insofern man schon ist)

Por ser intemporal, deus está dispensado das horas, as extras incluídas. Os mortais, esses, vivem sob o espectro da demora e do ritmo que, passando em contínuo, os afasta e aproxima de si. O tempo leva-os e, no mesmo trânsito, levam o tempo que depois já não será mas será ainda com eles. Este é o processo pelo qual somos. O horto espera por cada um de nós, espera-nos em apelo e destino, para cumprirmos as vésperas. Por impulso ou vocação, correspondemos-lhe, levando connosco a alfaia adequada para a cesura que iniciará o futuro. Futuro, o esquecimento que seremos, o esquecimento que haveremos sido.
fotografia © Tiago Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

foto&legenda # hors-série (das continuações, xxv)

Imagino o diabo a dançar, a fugir-me do corpo e a levá-lo. Imagino os passos, a performance, imagino-me quase um centauro e a combinar-me somaticamente com o chão. Danço mal, mas na minha imaginação posso e consigo dançar bem. O esforço é pequeno e compensador. Necessito de deslumbrar-me a mim, a mim apenas, ninguém mais. __________ Continuar faz-me consciente do fluxo em que participo. Desvio-me muitas vezes da ausência, uma certa ausência, e persisto na consequência do que sou, partilhando o amanho de condições que não dependem de mim, que não controlo ou sobre as quais tenho um impacto remoto. Não confio nas disposições ou na vontade. Admito contingências, as interiores e as exteriores. Ouço sete diabos, dançam num cabaret, e constato que não tenho numa mão ou num pé o número de dedos suficiente para contar tantos diabos. Imagino o diabo a dançar, imagino sete diabos, uma coreografia para a minha fraqueza. _____ Nunca fiz planos para dominar o mundo, bastou-me sempre a sensação de ser capaz de perder-me no lugar que habito, pelo menos até ao momento em que vingou em mim a precisão de continuar. Provavelmente precisão de continuar a perder-me onde estou, onde posso estar.
fotografia © Stephen Dewhurst
legenda © Eliz B.

2009-08-11

Antefuturo

No domingo, dia 16 de agosto, pelas 17.00 horas, na galeria municipal de Ourém, será inaugurada a exposição Antefuturo, constituída por fotografias do Tiago Gonçalves. Resumidamente, o que irá ser patente é o «resultado da recolha de imagens feita de forma cúmplice entre a sua objectiva e os seus avós paternos e maternos». Sugestão e exortação: a partir de 17 de agosto e até 6 de setembro, de terça-feira a domingo, entre as 10.00 e as 13.00 e as 15.00 e as 19.00, arranjar tempo - basta um bocadito de futuro -, subir ao morro do castelo, ir à praça do pelourinho (39º 38' 33,95'' N, 8º 35' 27,10'' W) e apreciar o trabalho do rapaz.

2009-08-02

foto&legenda # hors-série (das continuações, xxiv)

Se o meu corpo fosse moderno, não haveria de sofrer a memória e o atraso em que ela me consome. Pelo contrário, haveria de sentir o estilo que o meu corpo suporta, o esquecimento que sou, sem tentar. E depois? _______________ Repito a pergunta a cada desmoronamento que observo. Os desmoronamentos são frequentes. Habituei-me às ruínas, mas não à cerveja adamada, própria para os mortos que as ruínas celebram. Estou quase a esquecer Bukowski e Lowry, não a admitir tirar o coração do peito e escondê-lo para me acontecer a imortalidade. O veredicto da continuação não é a imortalidade, é a sobrevivência. _____ O corpo é um modo de perseguição, isto não esqueço. Se é outro começo, é a mesma culpa, a culpa que me apazigua. Ocupo-me de coisas menores para colher a soberania que posso ter sobre mim. Condição ou processo, sou continuação, quero ser continuação. Não desejo morrer feliz.

fotografia © Mario Testino
legenda © Eliz B.

2009-07-19

foto&legenda # hors-série (das continuações, xxiii)

__________ Hoje estou com pressa, sem vagar para cuidados. Reconquistei a confiança das vozes, consegui abafar o bazar que levantavam em mim. Agora ouço-as com disciplina, como se tivesse uma telefonia instalada na cabeça e pudesse escolher a frequência que desejo ouvir. Julgo que as minhas vozes, minhas porque íntimas, funcionam em frequência modulada e estereofonia. Não tenho a certeza. Não se pode ter a certeza. _____ Apenas os cigarros ainda me interrompem a pressa. Aspiro-os pelo vicío e por acompanharem-me a solidão, sem transtorno ou expectativa. Cumprem-se num holocausto pequeno, para uma morte pequena. Exigem-me posição e pausa, dou-lhas. Sofro-os, sofro-os com vontade, nos lábios, nos dedos, nos pulmões. ____________________ Agora a velocidade é a alma que quero. Nenhuma outra quero. O tempo já não me sobra como antes. Continuar é isto, ganhar a vantagem de perder o que a vida transformou em atraso ou estorvo. Ou respirar fundo, alcatrão e nicotina, para esquecer o que não é possível esquecer. Os artigos da culpa assentam-me melhor assim.
fotografia © Renée Ryan
legenda © Eliz B.

2009-07-14

foto&legenda-adhoc


Ena pá! Isto do Foto&Legenda é só às vezes mas está que sim senhor. Bons materiais!
O quê?, querem o meu endereço? É mesmo em frente do estúdio do gajo...
.
"Toma que já almoçaste"!



foto de Pedro Gonçalves
legenda de Sérgio Ribeiro

2009-07-05

foto&legenda # hors-série (das continuações, xxii)

Sou vulnerável às coisas e ao nome das coisas. Por isso inscrevo-me no corpo e, como repetição, marco-o com sinais que desejo mostrar. Uso-me, sem discrição. Cá dentro, sem os imponderáveis das remessas tardias e da correspondência transviada, creio que a sociedade não muda por exortação. Evito a narrativa dos exemplos e das encomendas, não sou capaz de empolgar-me com isso. Permaneço quem sou, sozinha e habitada. Porque o calor das tardes voltou, tento esconder-me no chão e padecer aí, como os animais. Esfrego-me no soalho e demoro-me em contacto com a pele, a refrescar, a assumir a culpa, sem necessitar de esboçar sentimentos que não tenho. Canso-me da morte, não consigo gostar de cemitérios. A mágoa não me aflige, articulo-a em devesas, às vezes em palavras, nunca em abismo com fundo demasiado profundo. Prefiro o mal à vista, a dor domiciliada em vez de perdida ou sem paradeiro. Prefiro a superfície, a ferida ou a fractura exposta, o que não está oculto nas coisas ou no nome das coisas. Com frequência engano-me nas sequências. Há muito tempo que deixei de memorizar números de telefone. Já esqueci o teu. Agora, se quisesse falar contigo, teria que consultar a agenda. O calor não me permite tal vontade, é terapêutico. Admito a espera, o que no caso é um modo de continuação. Longe de ti sinto-me justa. E sem desejo ou necessidade de regressar. A hemorragia interna foi estancada. O período de convalescença terminou. Mudei de vícios.
fotografia © Noah Kalina
legenda © Eliz B.

2009-06-30

foto&legenda # 440 (círculo de círculos)

São sempre dois mundos, um maior do que o outro, um prévio e o outro posterior, este nascido daquele. Esta ordem repete-se nos mundos novos. Um é mais antigo e o outro é saído daquele. Durante alguma demora estoutro é mais pequeno e cresce. Os paralelos e os meridianos desta equação importam, porém importam pouco. A escala é a mesma, circular, o espaço e o tempo dobrados nas voltas. Sucede que os olhos rodam menos mas vêem mais, fazem o mesmo mundo, o mundo dos mundos, diferente e continuado. Cá é como lá, um mundo inteiro, onde tentamos ver o que acontece longe, para confirmar o que o nosso espelho reflecte. É estranho que seja o mesmo? Talvez. Mas a estranheza é nossa. Porque vezes poucas vamos a lugares distantes ver como somos repetidos. Se fôssemos, perceberíamos que estamos lá também.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2009-06-21

foto&legenda # hors-série (das continuações, xxi)

As vozes endoidecem-me. Tenho consciência de que me repito. Os sonâmbulos têm mãos também. Esta associação, vozes e mãos de sonâmbulos, é livre. Talvez seja uma perseguição. Admito que sim, a conjectura é plausível. _____ As coisas dividem-me. Prendo-me a elas para as disputar e separar-me mais de mim. A inveja é apenas mais um ângulo da minha presença. __________ Continuar é uma maneira de cair. Agora vivo em queda livre e magoada, sem outra vez. Tenho os lábios esquecidos no medo, um beijo pronunciado neles como rumor ou murmúrio. Nenhuma palavra, nenhum gesto. Os amantes amam devagar, com culpa, são assim. _____ Às vezes desejo esconder o corpo - escondê-lo, mais do que recolhê-lo -, fazê-lo passe-partout da ausência que tento. _______________ Deixei de fazer o casting cardíaco do costume. Agora obedeço ao impulso, entrego-me para partir. Do abandono ao resgate, o movimento da identidade pelo qual sou é o afastamento. A ausência faz parte do meu processo de reflexão e inflação. Tenho as mãos moídas de tanto agarrar-me. A tua forma desvaneceu-se delas, encheram-se de liberdade, incêndio e horto também. O modo como as integro no meu corpo, sem o louvor da falta, é a consequência mais evidente disso. Sofro a sensação de pertencer às paredes, como se o que é permanência em mim fosse a minha identidade e não um desvio. É esta intimidade com a matéria que me funde na necessidade. _____ Sigo o perfil irregular dos frutos, acompanho-me. A poesia não é saída ou entrada, é um caminho. Eu prolongo-me por trajectos diferentes, em manobras de perda e distância. Apesar de ser verdade, digo isto como se fosse verdade. Afasto-me, dobro-me no exílio. Puxo o corpo mais para mim, para fechar as vozes. Mas continuo apenas. Sou a morada das vozes. Continuo.
fotografia © Laurence Ellis
legenda © Eliz B.

2009-06-11

foto&legenda # 439 (raça)

O que é que eu posso fazer?, tu és de portugal e tu és do benfica. São clubes grandes, sei, sim, senhora e sim, senhor, mas são poucos os dias da semana para que possamos ser felizes. Estão a perceber? O Jesualdo, por exemplo, não percebe.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2009-06-07

foto&legenda # hors-série (das continuações, xx)

Tenho que concentrar-me, arrumar a cabeça. O vício da morte persegue-me novamente. Estou para a indolência dos gatos, as manhãs e as tardes, capaz de demorar e esperar o corpo agora, de modo a que seja um momento eterno, que há-de acabar, mas que se sente infinito, para além do tempo estrito, as horas, as dobras, a sequência longa pela qual me faço presente e entrego a mim. _______________ Pensava que estava preparada para tudo, não estava. Atrelada a um universo de silêncios que crescia à medida que eu perdia a recuperação e a repetia em vão, tornei-me principiante. I’m an absolute beginner.* O que já não tenho é a inocência do princípio. Afastei-me dos sinais. Deixei de mandar postais. _____ A ressaca é quase perfeita, entranha a tristeza no meu corpo, domina as minhas mãos. Como represália, faz-me cair inteira, embora não necessariamente íntegra. É demasiado vago ou nada o que amortece a minha queda. Comungo o chão. _______________ Tudo está bem quando alguém sente que está com o tempo que lhe pertence. Comigo é diferente. Excedo a oportunidade, a vantagem marginal de quem termina. Tenho o coração calafetado, a sístoles certas e equívocas. Segredo nenhum tenho para revelar. Pretendo apenas continuar. A solidão, talvez o que é mais preciso em mim, convoca-me para a continuação. Não cedo a acasos. É o que quero.
fotografia © Rikki Kasso
legenda © Eliz B.
__________
* verso da canção “Absolute beginners” (in Absolute Beginners, Virgin Records, 1986), de David Bowie.

2009-05-24

foto&legenda # hors-série (das continuações, xix)

Sou o corpo imprimido no lugar da perda dele. Já não falo da hipótese da abundância, dos tempos que confluem na oportunidade. Esqueci, quero esquecer, embora não esquecer absolutamente. Na verdade não quero esquecer, quero apenas não sentir-me obrigada à presença. Da liberdade? Solto-me, não nasci solta. __________ A contracção do nome. O silêncio desenhado subitamente. _____ Sinto o corpo a convocar-me para a dissidência, para a sobra do combate. Já não se podem fazer substituições, foram esgotadas durante o tempo regulamentar da luta. A luta continua. Agora é o período dos descontos, a compensação. A luta continua. Habituo-me ao chão. Sou moça de bataclan e sozinha, não sou rapariga de bondage sindical, de palavras de ordem e marchas pelo serviço e pelas causas do serviço. As combinações fazem-me mal. _______ Atiro-me para o chão, para o contacto e para o contrato, para a identidade. Perdi a identificação, não o trabalho. No corpo desanimado, no que cai e em que vou, sou dona de casa, sou dona de mim, senhora das vozes pronunciadas de nada, vozes que ouço. O chão é a condição do meu regresso, talvez até porque regresso. Agora o chão é a minha habitação. O que quero? Quero apenas continuar, ser sedição. A solidão não me basta.
fotografia © Laurence Tarquin von Thomas
legenda © Eliz B.

2009-05-10

foto&legenda # hors-série (das continuações, xviii)

O poder que os quietos têm para vencer a memória faz-me sentir impotente. Sou crescentemente recordações e por elas, incapaz de esquecer. Isto habita-me com a mesma improbabilidade da comunicação e do amor. Não troco a proposição de Luhmann pelo uso do twitter. Não tenho urgências na puta da vida. É muito o que me espera para que, como sorte escrita, eu possa lembrar com vagar o que já esperei. Sou continuando a ser, isto sei. No entanto não sei se, sendo, sou continuação ou sou substituição. ____________________ Conheço um desvio que pode levar-me mais longe. Esse desvio és tu. Começo a crer que foste a desculpa melhor que tive para afastar-me de ti e de mim, sem regressar. Às vezes ainda me sinto perdida, ainda faço gestos que não têm destinatário. Sou capaz de perder-me mesmo diante do espelho, consumida na e pela evidência do reflexo de que sou simultaneamente motivo e testemunha. Acrescento-me ainda com a soberania de que, desde o meu - não o nosso - afastamento, não prescindo. Às vezes ouço vozes, sabes? Sou a senhora delas, a habitação de que precisam.
fotografia* © Lars Venner
legenda © Eliz B.

* fotografia sugerida pelo Tiago Gonçalves e sacada daqui.

2009-04-26

foto&legenda # hors-série (das continuações, xvii)

Vozes demasiadas são trovoada. Levanto-me como se só eu pudesse acordar e fosse imperioso fazê-lo. _____ Coisa estranha, agora tenho na cabeça, sinto-os, aqueles efeitos de distorção grossa dos retratos de Lucian Freud. Bem, bem vistas as coisas, não há distorção, há representação. É isso, a representação, o que mais aprecio também no traço preto de Hugo Pratt, nas figuras de Corto Maltese. Parecem vivas, vivas como nós, embora sejam desenhos, desenhos em prancha, em páginas para passar e virar. Às vezes gosto de sonhar acordada, de envolver-me com as personagens de uma aventura do veneziano, de estar ao lado delas, de estar com elas. Qualquer pessoa deve poder viver dentro de uma banda desenhada. Pelo menos algum tempo, não tem de ser a vida inteira. Viver dentro de uma banda desenhada não é uma expressão minha. Repito-a apenas. Ouvi-a ou li-a por aí, não sei onde. Facto que está a inquietar-me. Tenho a obsessão do rigor. Que não é o mesmo que a obsessão da perfeição. O rigor remete para o processo, a perfeição remete para o resultado. Pode atingir-se a perfeição sem rigor, do mesmo modo que com rigor pode atingir-se a imperfeição. Mas, de um modo ou de outro, são maneiras de permitir a continuação, o afastamento, o ritmo. É por aí que vou.
fotografia* © Hedi Slimane
legenda © Eliz B.

* fotografia sugerida pelo Tiago Gonçalves e sacada daqui.

2009-04-25

foto&legenda # 434 (o fado do trinta e cinco)

Respirar o mesmo ar, prosseguir a provocação.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2009-04-12

foto&legenda # hors-série (das continuações, xv)

A loucura é outra coisa, não ter nexo. Não é isto o que me acontece muitas vezes, cada vez mais, em consequência do enredo da tua ausência. Porque exijo a sinceridade também para mim, vou ser sincera contigo. Ocasionalmente és o sopro que, com a distância, me quieta as mãos. Sopro, só isso, não és matéria, algo com densidade e presença. Funcionas assim, vago. Se detenho as minhas mãos, sobretudo a mão direita, no vício do tabaco é para que, comigo embargada pelo consolo da nicotina, os andaimes que escoram o vazio feito por ti no esgoto do meu peito não me magoem. Aspiro o mal incensado na mortalha como penitência. A loucura é outra coisa, repito. _______________ Histerese é o que sofro, mal que, com a sua demora, o tempo há-de curar. A minha distância a ti é um exercício livre. Sofro-a sem tormenta e sem paixão, como acontecimento. É semelhante à fuligem primaveril, aos primeiros dias de calor morno, interrompidos pela morte da tarde. Algo que acontece porque tem de acontecer. __________ Digo-te ainda que sinto-me suja e compreendo a dúvida do que sinto. Pela metamorfose da distância a ti, cresceram-me asas. Agora sou um insecto, talvez uma mariposa, sou um pássaro, sou ninguém. Por causa do sexo, não posso ser anjo. Não me incomoda. A impossibilidade disso combina com a minha vontade. Sabes?, não quero voar, quero continuar.
fotografia © Nicoline Patricia Malina
legenda © Eliz B.

2009-03-29

foto&legenda # hors-série (das continuações, xvi)

Apesar de toda a sinceridade que tento, agora tenho medo de dizer que ouço vozes. Se o dissesse, pensariam que sou ou estou doida, olhariam para mim como alguém que precisa de arranjo. Não preciso. A loucura é outra coisa. Sofro apenas uma espécie de iluminação nocturna a que já me habituei e à qual chamo inquietude. __________ Ouvir vozes pode ser entendido como efeito de uma perturbação, sei. Mas ouvir vozes não é pior do que escutar o eco da solidão. Para além disto, gosto de sentir a minha solidão povoada, agrada-me sentir o corpo a estremecer devido às vozes que ouço. Creio que, mais do que uma agitação, algo estranho, tal é um modo de me despertar, é uma prova de que estou viva. É verdade que, às vezes, ao mesmo tempo que ouço as vozes, sinto que está a chover dentro de casa. No entanto não saio de casa. Sair, mormente sair por estar a chover dentro de casa, seria tentar fugir de mim, desencarcerar-me da identidade em que estou conjugada, afastar-me do espaço a que, pela habitação, pertenço. Não renuncio ao que sou, não tenho necessidade de procurar-me em objectos diferentes, em reflexos ou nas sombras da rua. Não estou perdida ou dissoluta, ouço vozes, apenas isso. Pelo que, caso sinta precisão de procurar-me, sei que, na hipótese mais tardia, haverei de encontrar-me através do choque com as paredes da minha casa. É aí, dentro, que procurarei um modo de evitar a chuva que cai sobre mim. Porque não admito e não quero admitir que a chuva lave as vozes que ouço. A loucura é outra coisa, não ter nexo.
fotografia © Alice Lemarin
legenda © Eliz B.

2009-03-10

foto&legenda # 438 (mundos)

Tens duas hipóteses, que são parecidas com as definidas na espécie de dilema enunciado por Heisenberg. Ou encaras o mundo em directo (e ficas cingido ao espaço e ao tempo que são teus) ou lês as notícias no jornal (e ficas a saber das coisas de longe e com atraso).
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2009-03-08

foto&legenda # hors-série (das continuações, xiv)

Estou na demora dos dias, a demora eterna que podemos observar desde uma janela. Os sinais, mesmo os sinais pequenos, não chegam. Há algo no universo, uma força, uma função, uma vontade, não sei o quê, que me adia para tarde, que me pede mais horas, que me obriga a esperar, como se eu pudesse continuar à espera dos sinais que não chegam. Não, não posso. Sinto a pressa dos lavores, não a posso trair. Nunca quis ser como tu, nunca. Faço as coisas mais devagar. Às vezes demoro à janela, a espreitar a luz a desfiar-se em tempo, só isso. Porque é assim, pelos farrapos de tempo que espreito, quieta, que consigo afastar-me de ti, da tua circumpresença, e continuar mais certa, sozinha.
fotografia © Maarit Hohteri
legenda © Eliz B.

2009-02-25

foto&legenda # 437 (police on my back)

Há ladrões e há polícias na cidade muito muito grande. O que não constitui novidade, porque há ladrões e polícias em muitos lugares. Onde há uns tende a haver outros e vice-versa, numa espécie de atracção de contrários que é muito anterior ao tempo dos primeiros sheriffs do far west. Os carros dos polícias é que são novidade, a cor e a velocidade, como nos filmes, autenticamente como nos filmes, muito diferente do que estávamos habituados com os matchbox que nos cabem ainda na mão.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2009-02-11

foto&legenda # 436 (sensu communis)

São cinco sentidos. Escolhes um. Quantos sobram? Quatro e o inverso, chamado regresso. Pelo menos.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2009-02-08

foto&legenda # hors-série (das continuações, xiii)

Depois, para os que dizem o advérbio e o suportam, é suficiente mudar o tempo do verbo. A vida continua, a vida continuará.
fotografia © Steven Klein
legenda © Eliz B.

2009-02-01

foto&legenda # hors-série (das continuações, xi)

Habitando o chão, testemunho a distância, a minha escala. O tempo é o meu transporte. Não regresso. Vigio o compasso atlântico longe, não me aproximo. Ouço o boletim meteorológico, leio o jornal. Não espero novidades, não as procuro. A demora continua a acontecer e a acontecer-me. A continuação é o nome do futuro e o que me promete e concretiza.
fotografia © Virginia Gálvez
legenda © Eliz B.

2009-01-27

foto&legenda # 435 (diz-me qual é o teu rating)

O mundo é cada vez mais o mercado de futuros. Conhecer alguém é conhecer quanto valerá, quanto risco merece ou justifica por conta do que valerá. Enquanto presente, o presente tornou-se insustentável e insuportável, de tal modo que diluiu-se numa espécie de antecipação ou de saudade do futuro. A confiança é cada vez menos um valor fiduciário, informado e projectado, do que o simulacro disso mesmo e uma aposta, uma tentação. Existimos cada vez mais para o futuro, para sermos. Aceleramo-nos para não demorarmos a ser o que somos. Mas as notícias do que somos e conseguimos ser continuam a chegar-nos com atraso e, portanto, a fazer-nos perder. Perder sobretudo o futuro. Que é já o que somos.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2009-01-06

foto&legenda # 433 (o meu nome não é melman, nem gaspar nem baltazar nem belchior)

Isto é tudo muito bonito e tal. Os magos, provavelmente por serem magos, disseram que nada tinham a declarar, nem o ouro nem o incenso nem a mirra, deixaram a excursão e foram à vidinha deles, visitar não sei quem. Eu é que me tramei, porque, parece, os camelos não têm manchas castanhas. Isto, o que eu tenho, deve ser uma doença grave, dizem. Até querem pôr-me de quarentena e decretaram embargo ao uso de meios de transporte não autóctones e, portanto, não certificados. Agora não sei o que hei-de fazer. Não querem aceitar-me no presépio, a providenciar bafos cálidos à manjedoura. Aqui entre nós, ainda bem, tal recusa vem mesmo a calhar. Não me dá jeito ter que ajoelhar-me diante da palha e ficar ali a enfeitar o curral. Tenho propensão a dores no pescoço e nos ombros. Para além disto, o espaço é apertado, o boi marra e o burro escoiceia. Pertencem a outro sindicato.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2009-01-01

foto&legenda # 432 (new year’s day)

And so we’re told this is the golden age
And gold is the reason for the wars we wage
Though I want to be with you
Be with you night and day
Nothing changes
On new year’s day
*

Chegam as notícias. Não são informações sobre o amor ou sobre a amizade. Não está muito frio. As notícias más e piores vêm de lá, lugares longe. O que não é motivo para alívio ou tranquilidade. Porque o mundo começa aqui, na nossa ronda, no alcance e no que podem as nossas mãos. Ou, mais exacto, tudo continua aqui, através de nós.

fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria
__________
* versos da canção “New year’s day” (in War, Island Records, 1983), da banda U2.