2006-12-31

hors-serie... e lugar

o gato em seu sofá

Costuma dizer-se que quem não tem cão caça com gato, mas não é (bem) o caso. Incapaz de colocar a foto (e o gato) onde deveria(m) estar, trago-a(os) para aqui.

a foto, como (quase) todas deste "bicho", é da Maria José


foto&legenda # hors-série (de crono a jano)

O reveillon era para ser lupino. Mas já não há lobos maus como antigamente. Também não há lobisomens ou o Wolverine. Somos cada vez mais as mesmas vítimas do capuchinho vermelho.
fotografia © Sheryl Nields
legenda © Sérgio Faria

2006-12-25

foto&legenda # hors-série (natividade, a senda apócrifa)

Cheira a عيد الميلا. Cheira a חג המולד. Cheira a Рождество Христово. Cheira, cheira. E a filhós também. E a bacalhau que veio da Norge, em bokmål, da Noreg, em nynorsk. Frohe Weihnacht, Klidné prožití Vánoc, Joyeux Noël, Kellemes Karácsonyt, Merry Christmas, Wesołych Świąt Bożego Narodzenia, Feliz Natal, Gaspar, Baltazar e Belchior. As batatas e as couves são da terra daqui. O barro do presépio também. O São Nicolau trepador é que não.
fotografia © David LaChapelle
legenda © Sérgio Faria

2006-12-24

Que se faça, sempre, luz...

O homem sempre procurou a luz. Par a não ficar dependente da lua e do luar. Para poder ver. Os outros e as coisas.
Nalguns lugares, há seis meses de noite e escuro durante vinte-e-quatro horas, a seguir e antes de seis meses de dia e luz e, às vezes, de sol descoberto vinte-e-quatro horas.
Houve tempo de o homem se alumiar à luz das velas, que, hoje, servem para emergências e outras finalidades, também de procura de luz fazendo e pagando promessas ao que se crê ser a Luz.
Quem já muito viveu disso se lembra. E lembra-se das lamparinas de azeite, e dos candeeiros de petróleo, e dos petromax, e de outras formas de romper a escuridão. De não ficar o homem dela cativo.
Hoje, ter electricidade já faz parte do acervo dos lares e das comunidades, até de aldeias perdidas em interiores.
Mas o homem continua procurando a luz. Metaforicamente, tantas vezes procurando-a, com algum desespero, no fundo de túneis em que se mete ou em que deixa que o metam.

Fotos de Pedro Gonçalves
Legenda de Sérgio Ribeiro

FOTO&LEGENDA - 60

A vida, por vezes – tantas vezes… –, parece portas que, à imagem dos dias, se vão abrindo à nossa frente, em cada hora menos que aquelas que, nas nossas costas, se vão fechando, porque vividas foram, porque por elas passámos sem entrar, porque as vimos, ou julgámos, fechadas.
E assim são as portas, os dias, a vida. Assim é a vida, percorrida até um buraco negro e fundo onde não entram os raios de sol que atravessam os caminhos que se fazem caminhando.
Foto de Pedro Gonçalves
Legenda de Sérgio Ribeiro

2006-12-22

foto&legenda # hors-série (caminhos de natal)

Aqui não há renas e raramente neva. O que obriga o pai Natal a outros trilhos, caminhos já feitos, batidos, de berma certa. Por isso vai e vem ele por aí, em modo arcaico, pré Coca-Cola, quase a arrastar os pés. Habitualmente o homem carrega um saco grande, remendado, composto de retalhos, e nada sabe sobre o globalpositioningsystem. Palmilha todo o território, passo a passo, devagar, arrastado. Como não há roteiro exacto para a sua ronda, de quando em quando, por contigência de quem não usa bússula e apenas conhece - de ler - a morada dos seus destinatários, segue os sinais. E acontece que, acaso necessite pensar ou ponderar sobre algo antes de decidir que sentido ou trajecto seguir, pega um cigarro e acende-o.
- Peço desculpa, mas estes sinais não têm legenda.
- Pois não.
- Queria orientar-me e não consigo.
- Problema seu e problema de orientação.

O pai Natal raramente interpela circunstantes.
- Eu sei, não obstante gostava de saber como sair daqui.
- Olhe, vá andando e logo vê.
- Sim, mas tenho duas hipóteses.
- Até tem mais, se admitir ficar aí estacionado, na expectativa da morte da rês pequena, ou voltar para trás.

E raramente o faz porque os circunstantes têm o hábito de, por desejo mais ou menos soberbo, tentar ficar com o que ele carrega.
- Concerteza, mas falava das duas hipóteses que tenho diante de mim, a direita ou a esquerda.
- Creia, a direita é má guia, a esquerda é para fugir.
- E o que significa isso?
- Não queira saber, custar-lhe-á caro.

Por isso tende a evitar estabelecer diálogo com os estranhos que guardam as encruzilhadas.
- Mas eu quero saber.
- Para saber isso, antes, tem de me entregar esse saco e todo o seu conteúdo.
- Seja feita a vossa vontade.

Apenas o faz em caso de estrita necessidade. E quase sempre para perder. Se seguiu a indicação inferior, então, perdeu mais ainda. Nunca mais alma alguma o tornou a ver.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Eliz B.

2006-12-20

foto&legenda # 228 (acorde para estranhos)

Tirar da pele o enxame, trinar o corpo das cordas. Estranha flor.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-12-18

foto&legenda # 227 (filigree and shadow)

Há dois modos de carne, não tenhas medo. O negativo é ainda a identidade.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-12-15

Padeço de um orgulho estranho por sentir-me amigo de uns quantos gajos que fotografam com alma. Eles são de Ourém e isso provoca-me uma sensação de alívio também estranha. Mas isso é o que menos interessa. Espreitem aqui o produto da recente viagem do Paulo (Vaz Henriques) a New York city. Há slides que, a visto, nos dão o mundo. O mundo inteiro. Luz, sombra, pessoas, lugares.

foto&legenda # 226 (face a face)

Sob a luz, assim como contra o espelho, há uma duplicidade no corpo. Há o que é e o que se vê, há a presença e a representação, há a imanência e o reflexo, há o verbo, forma de princípio, e há o mistério, todas as continuações.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2006-12-13

foto&legenda # 225 (the ground beneath her feet)

Para além do chão, os instrumentos para o caminho são os mesmos que servem a distância.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2006-12-11

foto&legenda # 224 (when the saints go marching in)

Enquanto vertigem, somos mais carrossel do que balancé, rodados sobre nós próprios, em ritmo timbrado pelas cores que a velocidade distribui ao nosso cerco.
fotografia © Pedro Figueiredo
legenda © Sérgio Faria

2006-12-08

*foto&legenda* # 223 (horizonte)

A lonjura apaga as coisas. A essa elisão acrescente-se o tempo derramado. Sobre a distância, o que resiste próximo vale como sinal. Porém, porque à distância não se sabe, para evitar ilusões ainda é necessário espreitar. Olha-se o que é fora, a rua, como se vigia da gávea. Reitere-se, a lonjura apaga as coisas. À distância não se sabe. Espreita-se. Para além disso, é necessário interpretar os presságios. Encontram-se, assim, o que já não se vê e o que virá. Às vezes as janelas são acessos a tal encontro. Também servem para defenestrar.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-12-07

foto&legenda # 222 (Kafka de pernas para o ar)

Experimentaram-lhe todas as posições. A morte assentava-lhe melhor assim.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-12-06

FOTO&LEGENDA - 59

O corpo nu. Belo. As mãos - as suas e as de outro - vivendo como parte do corpo. O corpo outro vibrando, envolvido por mãos outras.
A recusa da vergonha dos corpos nus.

Foto de Pedro Gonçalves
Legenda de Sérgio Ribeiro

FOTO&LEGENDA - 58

Os corpos. O encontro dos corpos nus. A beleza da nudez.

Foto de Pedro Gonçalves
Legenda de Sérgio Ribeiro

2006-12-05

foto&legenda # 219 (adagio sobre a invisibilidade)

Olhando, não se vê a convergência das várias mãos que realizam uma arquitectura intangível, suspensa e dissoluta nos intervalos do silêncio. O que significa que, invisível, há um capítulo para além da pauta, domiciliado nessas mesmas mãos que acordam o mistério escrito e morto no papel.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-12-04

foto&legenda # hors-série (exercício de encomenda)

Há momentos em que se guarda a olhar o seu redor. Tem a sensação que, ao fazê-lo, o mundo se suspende e adquire uma nitidez que, sob o regime dos actos, sob a vertigem dos estados comuns, não é possível perceber. Aceita por certeza a existência de uma ordem que só se revela mediante quietude, quando nenhum gesto contamina ou produz interferência sobre essa mesma ordem. Não é capaz de explicar de onde proveio este seu modo de inclinação ao mundo. Já admitiu a sua interrupção. Não obstante, nunca a tentou e o modo persistiu, como um dispositivo alojado em si. Julga que assim acontece por, enquanto plataforma, a distância a que vive permitir-lhe operar um discernimento que não é frequente nos auditórios. Já ensaiou o mesmo exercício na rua ou na presença de outros, porém não surtiu efeito semelhante ou sequer aproximado. Para além disso, a projecção a que o exercício obriga também necessita de resguardo. E a uma maior aproximação ou intimidade tende a corresponder cegueira. Quanto a isso, no entanto, ela imprime uma obstinação de carpinteiro, não dispensando o tacto. A miragem tem limites.
fotografia © Mario Sorrenti
legenda © Sérgio Faria

2006-12-02

FOTO&LEGENDA em livro

Deste "blog", que já tem perto de 300 "posts" (este é o 291º), retiraram-se sete dezenas com tópicos (nas fotos e/ou nas legendas) que dizem respeito a Ourém e a oureenses.
Formam um livro que a Som da Tinta editou com o entusiasmo de estar a dar mais um contributo (bom ou mau, serão outros a julgar...) para animar e "mostrar" a terra (de) que somos.
Será lançado no fim de semana de 8 a 10 de Dezembro. A data e hora definitiva será anunciada em próximo "post".
A capa, de que se reproduz a maquete, é do Filipe Saraiva e os autores/responsáveis (das fotos & das legendas, e das legendas & das fotos) são o Nuno Abreu, o Sérgio Faria, o Pedro Gonçalves e o Sérgio Ribeiro (aqui por ordem alfabética de apelidos, embora na capa e no livro seja a dos nomes, assim se satisfazendo dois critérios...), com algumas preciosas ajudas.
Fica a notícia, retirada do "blog" da Som da Tinta.
Toda a concentração, os olhos só vêem a bola, os dentes estão cerrados, a boca apertada, sem lábios, o corpo desequilibrado com os braços a fazerem de asas e leme no movimento para que os pés, o direito, acerte no alvo que é a bola e a bola acerte no alvo que é a baliza ou um companheiro. Ao fundo, na parede, o emblema do "nosso" Atlético.
A harmonia e a beleza dos gestos, da alegria da juventude, também da máquina que os homens inventaram para fixar o que deve ser guardado.
E guardado está.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Ribeiro