2012-08-28

foto&legenda # 491 (a paisagem propícia)

Trazer os dias atrás, como se fossem carne dos outros. Carregá-los na interrupção que permitem, à cal e ao sal, à vontade de que o mar foi guardado. Aspirar à vida simples, escrutinar os prazeres pequenos e escolher aqueles que acumulam culpa com vagar e que rimam com os ruídos soltados pela brasa. Arde lá fora. Quase que não há aragem. É aconselhado escolher a sombra, demorar aí a contemplação, o cio, a certeza de amanhã, enxotar os insectos. Deus seja louvado, se se juntar à festa. Ainda há quem esteja de luto pelo sacana. Aguentar sobre o lombo da estação, que tem horas bravias e às vezes exige o calor pulsado dentro do calor, exige que se continue a suportar os cortes rombos da terra, o selo dela, as cicatrizes que lhe sucedem, os filhos que aí foram sepultados. Há quase sempre algo que não está certo, há quase sempre alguém que quer que a improbabilidade resulte aí, casa para sorte mais quieta, cama para o mesmo amor sem fim. Engano, tanto engano. Cor escassa, roupa suada, trabalho que não surde o ano inteiro, esta paisagem é assim. O que é mais culmina com a presença e com o nome que lhe dá autenticidade. Quem prefere o sul percebe melhor a condição da ausência.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria