2006-05-31

FOTOLEGENDA - 33

O fotógrafo também "faz" casamentos e batizados.
E quando o que ouve do alto do altar o enfastia (tantas vezes...) ou o irrita (outras tantas...), esconde-se na sacristia e inventa tonterias para passar o tempo. Geralmente, senta-se a ler, ou, então, pega na máquina e põe-se a "caçar janelas" que o levam dali para fora. Como estas.

foto de Pedro Gonçalves
legenda (quase plágio!) de Sérgio Ribeiro

FOTOLEGENDA - 32

PERFIS - Hélder Ferreira
Aqui nasceu. Nesta terra.
Aqui, nesta terra, começou a andar... e a patinar.
E a jogar hóquei. No clube da terra onde se jogava hóquei.
Foi um "puto do hóquei" antes dos "putos do hóquei" terem sido descobertos como designação adoptada.
Andou por outras terras a estudar, mas sempre aqui foi a sua casa, os seus amigos, a sua vida. Era aqui que estava todo o tempo que podia.
Agora, aqui trabalha. Aqui é o capitão da equipa de hóquei. E é curioso compará-lo a jogar "em casa" e a jogar "fora de casa". Em pavilhões de terras alheias, mostra a mesma vontade, a mesma força, a mesma entrega, a mesma qualidade (discreta, mas qualidade) de jogo... mas parece o peixe com vontade de voltar ao aquário, ao seu pavilhão de Ourém!
Já foi campeão da IIIª Divisão Nacional, se dependesse dele já era(mos!) campeões da IIª Divisão depois de termos conquistado, para Ourém, o acesso à Iª Divisão.
Pois vamos a caminho de o conquistar, com ele a capitanear uma equipa desta terra. Que é a sua. E a nossa.
Quando for grande, quero ser como ele!
foto de Nuno Abreu
legenda de Sérgio Ribeiro

2006-05-30

foto&legenda # hors-série

A mulher joga uma certa crueldade. Domina-se, domina, domina o chão, lançando e confirmando esse domínio no modo como, pelos seus gestos e passos, desenha a órbita do movimento em que se joga. Os outros apenas vêem o corpo que imaginam, mas que, pelo trânsito livre, é lustre a deslocar-se sobre saltos altos, claridade, cometa branco que os encontra e mata ou há-de matar.
fotografia © Mario de Biasi
legenda © Sérgio Faria

2006-05-27

foto&legenda # 76

O verão começa a levantar-se dentro de nós e a empurrar-nos para o rio, para o mar, fazendo-nos, pelo mergulho que nos faz, improviso de peixe, corpo para a água.
fotografia © André Simões
legenda © Sérgio Faria

2006-05-26

foto&legenda # 75

Esboçar o script para um filme chamado Aqui implica definir personagens. Começou-se por uma personagem com nome apostólico, Paulo. E sucedeu que, depois de compreendido e calibrado o seu papel, o Paulo não era uma personagem. Era apenas a realidade ultrapassada por si mesma, confirmada o máximo de densidade humana possível, mais do que ficção. Era como uma das personagens desvairadas dos filmes de Kusturica, mas com uma diferença: existe na nossa vida, vive na nossa cidade.
fotografia © André Simões
legenda © Sérgio Faria

2006-05-25

foto&legenda # 74

Por circunstâncias de então, outros tempos, aconteceu naquele lugar o êxodo do que era lucífero. A escuridão, instituição para além da noite, instalou-se ali como casa e, consequência, dentro dela, quase todos começaram a sentir-se toupeira, desenvolvendo os sentidos para além da visão. Embora também encerrado naquela espécie de câmara, no entanto, alguém resistiu, iluminado pelo gume de um feixe de luz ténue que ali ainda entrava. Numa das paredes, a giz, escreveu a sentença, a maior prisão é a que nos priva da luz e nos lança contra nós, entregando-nos ao fantasma que somos. Noutra das paredes, a cinzel, para que não fosse elidível, talhou a esperança, sei que é nas trevas que as raízes vingam, mas um dia hei-de ser capaz de escrever a luz, exactamente, o seu tom preciso, hei-de ser falcão.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-05-24

foto&legenda # 73

Combate à frente, perseguindo a forma da luz, o espelho, mas não é capaz de a cativar, porque a luz escapa-se através do mesmo brilho por que se manifesta e vai, continua a ir, gravada e dissoluta na água.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

foto&legenda # 72

Para além da luz, é a água, elemento da renúncia, vaga sobre vaga, gota a gota, que, do útero ao mar, do batismo à chuva, nos joga em toca-e-foge e devolve.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-05-23

FOTOLEGENDA - 31

O FOTÓGRAFO ESTAVA LÁ!
Sensasional!
(Rufam tambores)
O fotógrafo estava lá. No parque a que se chama linear.
E o artista, um artista português, mais: oureense, fazia o seu número. Cuspia fogo.
Era um momento de rara emoção e beleza na noite da cidade.
E o fotógrafo estava lá (rufam mais - os mesmos... - tambores).
De súbito, a emoção subiu ao rubro. Porque desceu à barba do artista. Do artista português, mais: oureense, que usa barba e há muitos anos a usa.
E o fogo cuspido pegou-se à barba do artista! E a barba do artista começou a arder com o fogo por ele lançado para o espaço.
Na assistência noctívaga levantou-se um brouá-á-á. Foi um momento único na noite da cidade!
Houve excitação. Aproximou-se o pânico...
Tudo ao rubro (sobretudo a barba do artista!...)
E o fotógrafo estava lá!
Mas não se pode hesitar perante a eminência do desastre (nem perante outras eminências mesmo que sejam elas pardas e não tenham as barbas em chamas, isto digo eu em àparte...).
E o artista, provando que o é (português e, mais, oureense), não hesitou. Atirou-se para um daqueles "lagos" arquitectónicos do dito parque linear.
Atirou-se, resoluto, de cabeça, com a barba em riste e em chamas. Pô-las de molho. E evitou-se o desastre.
Uff. Foi um longo e colectivo suspiro de alívio.
O fotógrafo estava lá.
... e o legendador está aqui.
A fechar a legenda com uma moral para a história: não cuspas fogo para o ar que te pode cair na barba e podes não estar no parque linear da cidade de Ourém com todos os seus recursos contra incêndios em cara própria.
Felizmente, tudo acabou em bem e a barba parece que será refeita na cara do artista. E amigo. Um abraço.
foto de Pedro Gonçalves
legenda de Sérgio Ribeiro

2006-05-22

foto&legenda # hors-série

Escala de fénix, i. Os anjos são aves enganadas na espécie.
fotografia © Eric Slayton
legenda © Segismundo

2006-05-19

foto&legenda # 70

Falta-me a noite. Encontro-a aqui, tão presença quão horizonte, a vigiar-me, plena e infinita, sem alcance, cidade vaga, corpo certo. Encontro-a aqui, meu tempo e meu lugar, hora sem hora e lastro, outro nome. Encontro-a aqui, a despertar-me leopardo, enquanto outros, sob o mesmo nome, Ourém, dormem.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-05-17

foto&legenda # 69

De manhã, quando acordavam, os habitantes daquele lugar encontravam as ruas limpas. Nunca esse facto os intrigou ou lhes suscitou curiosidade até que um dia
entre todos os dias, aconteceu ser naquele, igual a qualquer outro, mas diferente porque foi justamente nesse dia que
alguém anunciou ser isso um mistério e não natureza. É um mistério, mas não é um mistério qualquer. Minhas senhoras e meus senhores, é um mistério do arco da velha, declarou dom Lázaro, a maior das autoridades do lugar.
fosse ou não fosse um mistério do arco da velha e fosse ou não fosse a noite o arco da velha
Todos ou quase todos ficaram sobressaltados pela apresentação do caso nestes termos. Por isso, reunidas em conselho, decidiram as almas superiores dali que, por forma a abreviar a angústia do povo,
o povo, sempre o povo, o nosso povo, em nome do qual e para segurança do qual tudo se decreta foi decretado que
fosse investigado e dissipado tal mistério. Dom Lázaro, como lhe competia, anunciou publicamente essa decisão. De imediato surgiu uma dificuldade, encontrar quem se atrevesse a entrar na noite e a calcorrear as ruas como observador da causa do mistério. É que naquele lugar havia apenas dois tipos de gente acordada durante a noite. Havia os que amanhavam e coziam o pão, os padeiros. E havia o louco, Benevenuto, conhecido como filho da meia noite, que, entre outras loucuras, dizia haver pessoas que viviam acordadas sob o luar, pessoas que, porque dormiam durante o dia, os outros nem conheciam nem viam. Por motivos óbvios,
talvez os motivos não fossem óbvios, mas eram motivos e por isso
o louco não foi considerado alguém a quem pudesse ser confiada tão delicada missão. Quanto aos padeiros, embora acordados durante a noite, eles tinham que trabalhar, pois ninguém dispensava o pão fresco pela manhã. Aurora em que não houvesse pão quente para barrar com manteiga seria certamente má aurora. Aliás, nenhum habitante do lugar, do mais velho ao mais novo, alguma vez ouvira falar de acontecer uma manhã, diferente da manhã de domingo, em que não tivesse havido pão acabado de cozer.
para além disso, ainda que nocturnos, os padeiros eram acordados apenas entre paredes e sob telhado e jamais saíam à rua antes de o sol raiar
Perante estas contingências, os notáveis do lugar acabaram por convocar alguém credenciado, o detective. Nada de extraordinário demandaram a Constantino, assim se chamava o detective. O que lhe pediram foi que sob o período de luar aplicasse as mesmas técnicas e os mesmos métodos de investigação que aplicava quando o sol dourava e, assim, deslindasse o mistério, aquele mistério.
o quê ou quem, o que raio é que limpava as ruas durante a noite, se era o vento, se eram fantasmas, se eram animais, queriam saber os habitantes daquele lugar
Constantino, moço intrépido, acatou a missão. Nesse mesmo dia, depois de jantar, despediu-se da mãe, que evitou o pranto mas não a inquietude,
porque desde o crepúsculo, na casa de cada família, eram cerradas as portas e as janelas para evitar que a escuridão entrasse, julgando, quem se guardava assim, que desse modo se evitava a sua contaminação pelo obscurantismo
e saiu para as trevas nocturnas. Não precisou de muitas noites para fazer e dar por concluída a investigação. Na manhã do que seria o quarto dia de inquérito, Constantino regressou, encontrou-se com o colégio das autoridades do lugar e, comunicando resumidamente o relatório da investigação, disse-lhes quem limpa as nossas ruas são umas criaturas estranhas. Os outros quiseram saber mais pormenores, criaturas estranhas?, estranhas como? O detective respondeu-lhes por acto e por palavras. Por acto entregou uma série de polaroids e por palavras disse estranhas como nós. Depois, embora o dia já fosse claro,
as ruas estavam limpas
foi dormir.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

FOTOLEGENDA - 30

Braços ao alto, braços para o Alto.
"Que a Senhora me ajude!"

“Vozes ao alto, vozes ao alto.”
De mãos dadas.
“Unidos como os dedos da mão.”
Ajudemo-NOS!

foto de Pedro Gonçalves
legenda (e contralegenda) de Sérgio Ribeiro

FOTOLEGENDA - 29

Subindo estes degraus, diz-se..., mais perto do céu se fica.
Uma moedita (que não faça falta…), deixada cair no farrapo dobrado em quatro aos pés de quem farrapo (humano) parece, talvez ajude a mais alto subir que onde levam os degraus.

foto de Pedro Gonçalves
legenda de Sérgio Ribeiro

2006-05-16

LEGANDAFOTO - 11

Na primeira vez, foi a surpresa dos farrapos à frente do pára-brisas. Brancos, de algodão, macios, de uma outra neve. Primaveril.
Chegávamos à cidade.
Nem pudemos desfrutar a beleza que se nos oferecia porque a curva e o aqueduto são perigosos, há sempre muito trânsito e não faltam desastres de vez em quando.
No regresso a casa, sozinho, já melhor vi o chão-colchão, a mostrar-se cada vez mais branco, pelo meio das árvores, e com o sol baixo a iluminar a paisagem a merecer fotografia.
Nos dias seguintes, repetiu-se a ida e a volta.
E o encantamento.
E a vontade de pedir fotógrafo.
E fotógrafo houve sem ter sido pedido. E veio a legenda em estação de sémen.
E mais fotógrafo haverá. Porque isto merece ser registado em vários registos.


É verdade que vim a espirrar da Corredoura ao Zambujal… mas o espectáculo vale os espirros!
legenda de Sérgio Ribeiro
fotos de Pedro Gonçalves

foto&legenda # 66

Havia dois lugares na mesa, embora um estivesse sempre por ocupar. Para iludir a solidão, durante as refeições, nomeadamente o jantar, bebia de dois copos, como se brindasse consigo ou fosse comensal de si.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-05-15

legenda&foto # 16

Esta é a estação do sémen dos choupos em algodão branco.

legenda © Sérgio Faria
fotografia © Nuno Abreu

2006-05-13

foto&legenda # 65

Wittgenstein escreveu que sobre o que não se pode falar deve-se o silêncio. Transladando a sentença, significa isto que deve escrever-se sobre o que se vê, mesmo quando o que se vê é um santuário de espectros, cuja oração maior tem como refrão come on baby, light my fire.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

foto&legenda # 64

Por uma vela guio a minha fé, guio-me, peregrina de distância grande. Como a noite, a sua testemunha maior, a lua, luz cortada de fogo, vigia-a e vigia o santuário. E, antes das preces, digo aqui e agora que maior é o meu velo do que a minha sorte, maior é a minha entrega do que a minha morte. Com os olhos continuou a conduzir a imagem levada na padiola. Que a senhora que me acompanha seja convosco, disse para si, em silêncio, entregando a sua voz aos cânticos. Ao mesmo tempo com a mão guardou a chama da vela, para que ardesse segura, vingando ali a sua promessa e firmando naquele lugar a sua confiança. Bendita sois vós entre as mulheres. Enquanto isso, e bendito é o fruto do vosso ventre, sobre todas as azinheiras acontecia um milagre nocturno, em natureza, que ela não via.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-05-10

foto&legenda # 63

Antes podia olhar-se com detalhe o vale que aninhava a vila nova, vale que se estendia até ao cimo do outeiro onde as pedras velhas, já adormecidas como mortas, guardavam o sinal de outro período, a vila velha. É dessa altura uma certa urgência de, sobre Ourém, saber a sua distância, medida em pés, não o seu lugar no mapa. E ainda desse tempo era exigência saber o que se dizia e o que se via aí, como aí se andava e o que aí havia. Por não terem passado essas urgência e exigência, um dia foi começado um inventário oficial dos estabelecimentos e das coisas que aí eram novas. Numa caligrafia irrepreensível, no topo de uma das páginas da relação das modernidades, foi lavrado o seguinte assento: na avenida, na quinta do tenente-coronel Moreira Lopes, justa entre o cine-teatro e a taberna do Frazão, em frente ao armazém dos vinhos, há uma torre alta em ferro, com uma roda de pás de chapa zincada que chia e bascula consoante cata o vento, puxando à superfície a água de um poço, como seja uma nora sem besta, uma azenha sem rio. Diz quem foi sentinela desse antigamente que as coisas assim, extraordinárias, contavam-se pelos dedos e cartografavam-se a olho nu. E que tais coisas se relatavam escritas apenas para confirmar no papel que, de facto, existiam. Pois outrora a grandeza dos lugares era uma medida simples e testemunhada conforme o que fosse inscrito no livro das existências. E sobre o escrito, porque evidente - e, portanto, mais do que verdade -, não havia dúvida. Porque o que era escrito via-se.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

FOTOLEGENDA - 28

Olhem quem é ele!
Estará a congeminar uma legenda para foto do Nuno (ou de outro amigo)?

Não perturbem... dali só pode sair coisa boa.
O que estará ele a escrever?
Dali só pode sair coisa danada…

foto de Pedro Gonçalves
legenda de Sérgio Ribeiro

foto&legenda # 61

Não sei dos amigos mais do que sei, mas sei que foi com alguns que, numa tarde de sábado, verão quase morto, numa quinta do outro lado do Tejo, entre ecos de tambores e batuques, vi, porque vimos, cisnes a dançar, olé!, sobre um palco e isso, espantados, contámos entre nós.
fotografia © André Simões
legenda © Sérgio Faria

2006-05-09

foto&legenda # 59/60

Antes foi a espera, foi a sensação do silêncio, foram os focos que iluminavam as ausências, mas, depois, preenchidos os lugares vagos, a penumbra assentou e de quatro concertinas, por gestos de abraço, exalaram sopros que fizeram as danças, danças que se dizem escondidas.
fotografias © André Simões
legenda © Sérgio Faria

foto&legenda # 58

De entre todas as matérias onde o tempo se aloja, apenas na carne e pela carne, como sobre o corpo sobro, há vida depois da vida, memória, regresso, presença.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

FOTOLEGENDA - 27


No metro de Lisboa.
Neste nosso tempo. Neste nosso País.
Dois olhares que nos interpelam Que nos chocam.
Dois olhares em que a dureza da vida de um jovem se mescla com a doçura de uma amizade sem mácula. Companheira.
Dois olhares companheiros. Solidários. Entre si.
E nós?

foto de Pedro Gonçalves

legenda de Sérgio Ribeiro

FOTOLEGENDA - 26


Fazemos o combinado.
Eu toco, tu apelas aos bons sentimentos.
Eu convoco a ternura piegas, tu vais tocando.

Mas os olhos semicerram-se. Fecham-se para melhor ouvir. Para melhor sentir. Para sermos os dois.
Não estamos aqui. Somos.
Esquecemos onde estamos. O que fazemos. Porque viemos. Porque para aqui nos atirou esta vida-pobre, este mundo-cão.
Somos! Os dois. E a música. Nossa. De mais ninguém.

foto de Pedro Gonçalves
legenda de Sérgio Ribeiro

2006-05-08

foto&legenda # 55

Há no corpo uma espécie de missão que o transcende - uma transmissão -, como se fosse a volta remissa de quem testemunhou a peregrinação de Dante ao inferno, ao contrário, não por círculos e patamares, mas pelo rumo de um fogo ascendente, de redenção. É uma outra forma de mistério. A carne sempre sobre ou sob a terra e nela, na carne, a vontade de, por algo, levantar-se ao céu, onde se imagina, como se crê, um mandamento que chama.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

FOTOLEGENDA - 25















Aqui aPorto sempre.
Curiosa coincidência esta de ter estado no Porto no dia em que nas fotos & legendas aparece um hino ao Porto, e de novo neste dia ter sentido – com excepção da referência ao estádio… – o que a legenda e a foto do Porto dizem. Até porque, se há coisa que o Porto é, é porto sentido.
Mas não é lá e sim aqui que aporto sempre.
Aqui, a esta paisagem de castelos (dos Castelos!) sobre telhados e casario de vila, sobre oliveiras e azinheiras, arvoredo e vinhedos.
Aqui regresso sempre, mesmo quando de cá não saio, a estas manchas e contornos que me moldaram cá por dentro e em que me reconheço.
Porque só assim, só com esta saudade sentida mesmo quando cá estou, só assim resisto a esta ânsia de distância, a esta vontade de dizer basta!, a este berro-grito-obscenidade que calo porque são estas as raízes que (me) percorrem as veias (parafraseando o “nosso” poeta Sousa Dias).
fotos de Pedro Gonçalves
legenda de Sérgio Ribeiro

2006-05-06

foto&legenda # 53

Quieto-me perante a majestade desta cidade, a sua pedra, o seu rio, o seu abrigo, o seu velho casario ribeirinho, o trânsito sobre as suas pontes, a sua foz, o seu cinzento. Queria ser mais dela, mais vezes, tantas, para que ela fosse minha, também minha. Queria que não fosse necessário escrever esta é a minha cidade e que isso não fosse mentira. Queria que o meu êxodo pendular não fosse apenas para sul, capital, mas que fosse também para norte, origem. Queria ser presente mais vezes no estádio de onde sou. Queria que o sentido, o meu, não fosse a distância à invicticidade e que também por fora, como por dentro, pudesse dizer sem engano, daqui, o Porto aqui tão perto e estar lá com o corpo, não apenas com a saudade.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

foto&legenda # 52

Através da transparência mais limpa, a transparência da água, olhamos para além, crescendo no mistério de sermos revelados também aí, do outro lado da película, num jogo em que apelamos ao corpo, mas simultaneamente nos guardamos aquém da sua tangência, como se entre nós e o outro lado houvesse um território de reflexos e a água fosse tanto o diafragma quanto o diagrama da transparência.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2006-05-05

foto&legenda # 51

Esquece a triste figura, se vai ou se volta, e diz-me a realidade, apenas a realidade. Porque um de nós não está a ser exacto. Pois enquanto tu vês o escudeiro embalado pelo trote lento do Ruço, eu vejo o que vejo, o cavaleiro andante montado sobre o Rocinante.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-05-04

LEGENDAFOTO - 10

Na descida da estrada da Alvega
Depois de passarmos o quilómetro 110, e de espreitarmos os Castelos ao longe, rolamos mais cinco quilómetros e viramos à direita, deixando a auto-estrada. Atravessamos a fronteira da portagem e julgamo-nos chegados “à terra”.
Ilusão. Ou adiamento.
Ainda temos uma rotunda, e hotéis, e restaurantes, e conventos, e seminários, e escolas, e lojas, algumas a armarem ao pingarelho (como diz, e bem, o outro), e parques de estacionamento e estacionamentos sem parque, e mais hoteis e mais lojas, numa confusão urbana a que não faltam cúpulas bizantinas.
Viramos à esquerda, subimos a pequena rampa, atravessamos um cruzamento onde já, numa noite de sábado, apanhámos com um carro a entrar pelo nosso adentro, e, de súbito, deparamos com uma daquelas paisagens que, por mais que as vejamos, sempre nos surpreendem. Ou por a luz ser sempre diferente ou porque sempre diferentes estamos nós.
São os Castelos. Pois… de novo, os Castelos de Ourém, ao fundo, discretos mas imponentes, e as "nossas montanhas". Tudo em relevo, em sobe e desce “à nossa medida”. Tudo num todo harmonioso a que algumas construções insólitas, embora provoquem irritação pela ostentação e clara agressão ao ambiente, não conseguem roubar o nosso encantamento.
Fazemo-nos à descida, às curvas e contra-curvas – nada como na “estrada velha”... –, até à rampa íngreme, quase assustadora, que desemboca em viragem num cotovelo fechado em manguito.
Esquecemos a paisagem. Ela rodeia-nos, não nos confronta. Mais curvas e contra-curvas, calmas, nos baixios cortados e aplanados da serra, até apanharmos pela frente com uma outra paisagem sempre surpreendente. Do alto, da direita, desce a encosta, em declive suave, arredondado, que se intercepta, no horizonte da estrada, com a encosta que, da esquerda, do alto, desce, em declive suave, arredondado, como se houvesse ou assemelhasse simetria. E, ao fundo, num segundo plano, a modos de ali colocado para ser assim visto, o morro dos Castelos e da velha Ourém, como um painel que nos diz, então sim, “estás em casa!, sê bem-vindo!".

foto de Pedro Gonçalves

para legenda de Sérgio Ribeiro

foto&legenda # 50

Pára, escuta, olha e vê o que não se vê, a força que dobra os elementos.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

LEGENDAFOTO - 9

Conheço um fulano que diz que gosta de sentir o chão que pisa. Coisa estranha... sentir o chão que pisa.
Diz que é como música ou como uma tela comprida que se estende a seus pés. Que, ao caminhar, se entrenha pelo chão dentro como se fossem um do outro, o chão e ele.
Coisa estranha...
Diz que caminha devagar e que sente o chão entrar-lhe pela alma. Às vezes, volta atrás só para re-sentir a textura de uma pedra ou um acentuar quase imperceptível de um passeio.
Diz ele que sente o chão e que o faz devagar.
À noite é pior. Diz que as pedras, o alcatrão e a relva entram por ele adentro como um vendaval que revira tudo e agita as águas paradas de que se reveste.
Primeiro, o calcanhar, depois o resto do pé a atirar-se para a frente como um mergulho feito de olhos fechados.
É só sentir, diz ele.
E diz mais: “Repara na quantidade de coisas que pisas em tão pouco tempo.
E olha que o chão está para ali, à espera de ser sentido. Experimenta! Vais ver que gostas…”

legenda de Pedro Gonçalves
foto de Sérgio Ribeiro