2012-07-19

foto&legenda # hors-série (e o chão connosco)

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E o que isso poderia ser?, não disse. Estava concentrada no contrato. Tinha-se desviado da cómoda, deambulava descalça enquanto lia. Tempos duros, como escreveu Dickens, como era o soalho. Talvez. Ela procurou-a sobre o ombro direito e com o movimento do torso sentiu que deixara o coração mais afastado dela. Que, não tens que sentir-te culpada, ainda deambulava descalça, somos só nós e o chão connosco.

fotografia © ?
legenda © Eliz B.

2012-07-10

foto&legenda # 490 (uma casa sem paredes)

- Sabes?, não é tipo batata a ti, batata a mim. It takes two to tango.
- Até ao tango isso foi em inglês técnico, não foi? A essa não precisei de equivalência.
- Também não querias ser engenheiro, pois não? A reputação via engenharia já teve dias melhores.
- Abrenúncio, abrenúncio, abrenúncio, três vezes. Eu cá sou pela metafísica antes de haver para aí quem padecesse da vontade de exílio parisiense. Provo já. Como ilustração da matéria e da obra que concretiza o espírito ecuménico, parafraseio, uma casa sem paredes. É uma paráfrase.
- Paráfrase, soa bonito. Como desvio colossal. Detenho-me apenas na intriga sugerida por uma dúvida que é capaz de ser engenheira. Pode chamar-se casa a uma casa sem paredes?
- Pode. Foi um escritor, ainda por cima socialista, que pensou nisso como símbolo do que é universal. É poesia. É mais ou menos o mesmo que dizer uma cabeça sem cérebro.
- Uma cabeça sem cérebro?
- Ajudo-te. Olha os zombies.
- Onde?
- Em lado nenhum. Era só um suponhamos.
- Suponhamos, então, senhor dr.
- Senhor dr., isso mesmo, sou eu.
- Pois és, somos ambos. Continuando.
- Se calhar também podia ter conseguido o diploma do curso de licenciatura em alvenaria. Local sem paredes, casa sem paredes, é tudo a mesma coisa, não é?
- Ainda estamos no suponhamos? Ou já saímos?
- O que é que achas?
- Acho que não sei lá muito bem.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria