2009-04-26

foto&legenda # hors-série (das continuações, xvii)

Vozes demasiadas são trovoada. Levanto-me como se só eu pudesse acordar e fosse imperioso fazê-lo. _____ Coisa estranha, agora tenho na cabeça, sinto-os, aqueles efeitos de distorção grossa dos retratos de Lucian Freud. Bem, bem vistas as coisas, não há distorção, há representação. É isso, a representação, o que mais aprecio também no traço preto de Hugo Pratt, nas figuras de Corto Maltese. Parecem vivas, vivas como nós, embora sejam desenhos, desenhos em prancha, em páginas para passar e virar. Às vezes gosto de sonhar acordada, de envolver-me com as personagens de uma aventura do veneziano, de estar ao lado delas, de estar com elas. Qualquer pessoa deve poder viver dentro de uma banda desenhada. Pelo menos algum tempo, não tem de ser a vida inteira. Viver dentro de uma banda desenhada não é uma expressão minha. Repito-a apenas. Ouvi-a ou li-a por aí, não sei onde. Facto que está a inquietar-me. Tenho a obsessão do rigor. Que não é o mesmo que a obsessão da perfeição. O rigor remete para o processo, a perfeição remete para o resultado. Pode atingir-se a perfeição sem rigor, do mesmo modo que com rigor pode atingir-se a imperfeição. Mas, de um modo ou de outro, são maneiras de permitir a continuação, o afastamento, o ritmo. É por aí que vou.
fotografia* © Hedi Slimane
legenda © Eliz B.

* fotografia sugerida pelo Tiago Gonçalves e sacada daqui.

2009-04-25

foto&legenda # 434 (o fado do trinta e cinco)

Respirar o mesmo ar, prosseguir a provocação.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2009-04-12

foto&legenda # hors-série (das continuações, xv)

A loucura é outra coisa, não ter nexo. Não é isto o que me acontece muitas vezes, cada vez mais, em consequência do enredo da tua ausência. Porque exijo a sinceridade também para mim, vou ser sincera contigo. Ocasionalmente és o sopro que, com a distância, me quieta as mãos. Sopro, só isso, não és matéria, algo com densidade e presença. Funcionas assim, vago. Se detenho as minhas mãos, sobretudo a mão direita, no vício do tabaco é para que, comigo embargada pelo consolo da nicotina, os andaimes que escoram o vazio feito por ti no esgoto do meu peito não me magoem. Aspiro o mal incensado na mortalha como penitência. A loucura é outra coisa, repito. _______________ Histerese é o que sofro, mal que, com a sua demora, o tempo há-de curar. A minha distância a ti é um exercício livre. Sofro-a sem tormenta e sem paixão, como acontecimento. É semelhante à fuligem primaveril, aos primeiros dias de calor morno, interrompidos pela morte da tarde. Algo que acontece porque tem de acontecer. __________ Digo-te ainda que sinto-me suja e compreendo a dúvida do que sinto. Pela metamorfose da distância a ti, cresceram-me asas. Agora sou um insecto, talvez uma mariposa, sou um pássaro, sou ninguém. Por causa do sexo, não posso ser anjo. Não me incomoda. A impossibilidade disso combina com a minha vontade. Sabes?, não quero voar, quero continuar.
fotografia © Nicoline Patricia Malina
legenda © Eliz B.