2009-09-14

foto&legenda # hors-série ()

neste poema falta um gato. nada posso
fazer. chamei-o mas ele afastou-se
e enroscou-se, no lugar onde costuma
dormir, à espera de uma mão que o afague
onde ele está. não posso valer-lhe.
as mãos que tenho não alcançam as mortes
pequenas, estão a oficiar este poema,
uma sobre a folha, a outra a conduzir
a esferográfica, a escrever o luto
que não declaro ou pretendo, porque é fingido.

ainda vejo a luz contraída, o nevoeiro
parisiense, as pernas de uma mulher.
fotografia © Willy Ronis
legenda © serôdio d’o.

2009-09-13

foto&legenda # hors-série (das continuações, xxvi)

Toca-me o êxtase de não ser, a exaustão. É excessivo, eu sei, sinto, mas nada quero ou posso fazer a contrário. Sou sem desejos, o deslumbramento de quem não termina e não tem força para continuar a ser o mesmo defeito. Não consigo esquecer-te. O olvido perfeito não me acontece. Quero atender a culpa que consigo, sem a comodidade da remissão pela penitência. Quero que me suceda a alma partida. A continuação é uma sucessão de golpes pequenos. Os ângulos intumescentes ficam para trás. Esqueço a superfície, as arestas. Recordo os combates, o cerco das horas, os falanstérios da normalidade, a rotina. Há momentos em que, assim, o terror vem beijar-me e eu retribuo, com os lábios, a língua, a saliva, a boca toda. Sinto a memória a saque, a esperança a instruir-se como saudade. E eu queria apenas continuar.
fotografia © Rikki Kasso
legenda © Eliz B.

2009-09-11

foto&legenda # 444 (manhattan transfer)

Corpo a corpo, de ilha a ilha, o mundo de passagem, a américa inteira, land of the free, home of the brave, sangue a sangue, culpa a culpa, a minha, a tua.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2009-09-06

foto&legenda # 443 (gore de Gorey)

Só é uma palavra que lembra poemas de dolência moderna e filmes de terror. Só e sós, no plural da rendenção. É por isso que, para se sobreviver à sobreimaginação, é necessário não ver teelvisão em demasia. Operacionalizadas pela tecnologia, as improbabilidades acontecem cada vez mais conforme a confiança, facto que, pela rotina dos acontimentos e das hipóteses, tende a comprimir o imaginário. A esperança diminui, a certeza aumenta. Quando não sucede assim, há sempre alguém que chama um técnico para reparar o que está avariado, que aposta nos totos da santa casa da misericórida ou que investe em orações. Mas é ainda a realidade que nos obriga a imaginar a lâmina necessária para se chegar ao sangue, para se conquistar a refeição. Pois há criação que, sob a vontade nossa e a força que exercemos, dá o corpo por nós, sem precisar de passar pelo ritual da transubstanciação. Basta a morte e o amanho da carne. A fome faz o resto. Não há carne sem dor.
fotografia © Tiago Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

2009-09-05

Hoje e amanhã são os dias derradeiros da exposição Antefuturo. Por isso, reitere-se a sugestão e a exortação: entre as 10.00 e as 13.00 e as 15.00 e as 19.00, é aproveitar. Subir ao morro do castelo, ir à praça do pelourinho (39º 38' 33,95'' N, 8º 35' 27,10'' W) e apreciar uma série de fotografias do Tiago Gonçalves.

2009-09-03

Uma exposição, uma foto, uma legenda.

UMA EXPOSIÇÃO
Os olhos. Os olhos cansados. Os olhos atentos.
O afecto. A ternura. O amor de neto.
As mãos. Os calos. As deformações do ácido úrico.
As mãos abertas.
As mãos que afagam. A madeira. Os bichos.
Os bichos. Os bichos que con(nosco)vivem.
O gato saltitão.
O cão(com)panheiro.
A madeira, As ferramentas.
Os instrumentos de trabalho. As vidas que (se) moldam.
As fotos. O antefuturo. O futuro ante o passado.
O presente ante(s)passado.

UMA FOTO

No seu “missal”, ela, a Avó, aprende que Santo António nunca perdeu a paciência, e pede-lhe que ele - “Santo António, modelo de graça e paciência” - lhe dê a graça de sofrer com paciência os trabalhos e desgostos da vida. Também eu, que em outro “missal” aprendi e aprendo, peço que o saber e o querer e a saúde me dêem paciência… porque esta, a paciência, é revolucionária.

Como estamos perto!

exposição e foto de Tiago Gonçalves

legenda(s) de Sérgio Ribeiro