2011-03-14

foto&legenda # 482 (o que falar alto quer dizer?)

Que combatemos, pá, que arriscamos a derrota outra vez, a conta de carne, sangue e voz, que rimos por nos levarmos a sério e para que outros também, que damos o argumento para fora para que nos ouçam e, para o caso que for, o arrebatam ou o rebatam, que saibam que a esperança também começou a falir desde que os recibos da cor dela deixaram de significar autenticamente liberal ou independente, trabalho ou amanho que não valem por catorze meses como trabalhos ou amanhos iguais e outros valem e que o ine amalgama como valendo na estatística que lhe dá nome, pá, que focamos a liberdade e sentimos - de sentir na pele e no osso, não de admitir ou julgar de modo metafísico - que precariedade não rima com liberdade, que sabemos que a insolvência não é a solução, para ninguém é, pá, que ainda assim estamos aqui, a tentar a comunidade, a continuar a propor o futuro, as notícias, o contágio, o cuidado, porque entramos na equação das possibilidades e da diferença que, porque é realidade, a realidade tem, sem iludir que ela é o que é e o que pode ser através dos gestos que no mesmo lance fazem o que é particular e o que é comum e que o mistério que somos em partilha voluntária e involuntária é justamente este, pá, presente e desassossego, estabelecimento e contingência, a reserva e a rua, onde estamos agora, porque para ela nos convocámos antes de regressarmos a casa e porque a vida, a nossa também, é o que manifestamos e fazemos manifesto nosso e de quem mais a ele quiser aderir, já ou amanhã, na medida em que, isto queremos e cremos, nem sempre amanhã é tarde de mais.
fotografias © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2011-03-01

foto&legenda # 479 (as rodas que nos soltam)

Estamos num lugar e deslizamos sobre ele. Adiante espera o acidente ou a morte, não sabemos o quê. Passamos no modo juvenil, como quem simultaneamente admite e esquece o risco. O mundo é nosso sem ser. Mais do que incréus, somos descrentes, oscilamos e partilhamos experiências, apostamos o corpo nelas. Passamos sobre rodas, em aceleração, não somos estátuas. São os caminhos que tombam, se caímos. Não ouvimos rumores do chão, não recebemos mensagens de lá, passamos. A paisagem é o que permanece, sobre o que deslizamos, e a ela pertencemos quando deslizamos, antes e depois.
fotografias © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria