2013-03-05

foto&legenda # 505 (dieta para o caminho)

Diz o meu senhor que o incomoda a tristeza dos outros. Que, se não temos afluência ou aforro que nos permita comer bifes todos os dias, temos que aguentar. Que temos que e que temos de, necessidade e obrigação, peso das coisas e da alma, aguentar como qualquer indigente aguenta. O meu senhor não come bifes todos os dias, come quando e quantos lhe apetece. Se quisesse comê-los todos os dias e mais do que um por refeição, o meu senhor aguentaria a ração. Tudo isto tem uma razão certa, classificada, mas, divago, não sei se tem a razão, entendida como integridade. Talvez falte travejamento à minha ideia. Não sei se não, se sim. Vivo neste desamparo e aguento. Julgo que não ter certezas não é mau e pode até ser mais condizente com os erros e as tentativas de correcção que posso por conta própria. Vivo nesta condição trágica, opção que acrescento à hipótese, entre as alegrias e as tristezas que pago. Olho para os preços e não sou capaz de deixar de admitir que às vezes o barato custa muito a alguém, custo em proveito de quem tanto lucra pelo meio pelo que sai e para que saia caro a quem, que produz, que vende, que compra, tem que e tem de aguentar para que haja quem, classe gourmet, esteja e pretenda continuar isento de aguentar o mesmo, a perda, a fome, a ressaca disso, a melancolia, o desespero, a vontade de cantar estou aqui, filhos da puta, estou aqui, fingindo que não se está onde se está justamente por se estar aí.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria