2007-10-31

foto&legenda # 366 (arcádia cronenberg, i)

Se tu és a Maia, eu sou a Heidi. Mas, olhos nos olhos, podes chamar-me o kamikaze dos pudins.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-10-29

foto&legenda # 365 (lá num país cheio de cor)

Maia é um nome de infância, um cortejo prolongado desse tempo, antes de antes, de quando ainda não tinha aprendido a gostar de mel. Depois cresci com esse e outros cortejos trancados dentro de mim. Alguns perdi-os, até ser incapaz de crescer mais. Mas a tudo com as suas cores, aos lápis, a uma gata, continuo a chamar o seu nome.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-10-27

foto&legenda # hors-série (o meu nome não é cão)

Ele é valente. O ar de Scooby-Doo, ai, ai que é um monstro, ai que ela vem lá, ai que é uma sombra má, ai que não traz caramelos, ai que é mesmo ela, ai ai, ai ai, é só para disfarçar. É como às vezes o Jack Bauer também faz.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Segismundo

2007-10-26

foto&legenda # hors-série (hino do ofício)

Este sujo que corre nas veias, este sujo do corpo fechado, este sujo da mortificação, este sujo a céu aberto, este sujo que vem do tempo em que o vinil rodava e nele picava uma agulha, este sujo concreto e da consciência, este sujo, que é meu, não pertence à nossa senhora da nossa morte.
fotografia © Carla van de Puttelaar
legenda © Segismundo

2007-10-24

foto&legenda # 364 (muž)

O diálogo é um modo de as partes da imortalidade se encontrarem. Sabendo isto, quando querem conversar, os embaixadores de tais partes combinam encontro e sentam-se na cúpula de edifícios próximos, cada um numa, para não terem que elevar a voz e não correrem o risco de serem ouvidos por estranhos, os mortais. O que se segue, raridade, é o excerto da reportagem de um desses encontros.

* * * * *

Naquele instante ambos verificaram o mesmo homem, que passava lá em baixo. Interrompendo a sequência do diálogo, Marbuel saiu do lado da sombra. Sim, a hominidade, mas Kant talvez tenha sido excessivo. Repara, aquilo que vale para um homem não vale necessariamente para todos os homens. Este, parece-me, é o primeiro problema. O segundo problema decorre da acentuação do absurdo pressuposto neste. É que, admita-se circunstancialmente a hipótese, ainda que aquilo que vale para um homem e todos os outros fosse o mesmo, isso não valeria necessariamente sempre para todos eles. Pelo que, insisto, para além do problema associado à definição do mínimo denominador comum da hominidade, há o problema da paz perpétua. Permanecendo sob a claridade ténue do dia, Ariel, que continuou a olhar para o homem, agora quieto ou quase, como se posasse para uma arma, à espera que qualquer bala ou rajada o fulminasse, reagiu com amuo. Mas para mim o problema é outro, mais evidente, percebes? Ninguém pode ser deus sem deus.
fotografia © Johan Ríša Svatí
legenda © Sérgio Faria

2007-10-22

foto&legenda # 363 (anděl zvěstování)

Venho anunciar-vos a queda, o chão sem remissão. Que os estandartes derrubar-vos-ão, levar-vos-ão abaixo da razão, até chegarem à condição sem voz. Então sereis ninguém, pó apenas e o seu peso. Agora, sicut erat in principio, et nunc, et semper, já é tarde para orações. As vésperas terminaram e caíreis todos, juntos, ainda antes das completas, sem tempo para a absolvição. Uns tombarão calçados, outros tombarão descalços. O meu nome é Marbuel.
fotografia © Johan Ríša Svatí
legenda © Sérgio Faria

2007-10-19

foto&legenda # 362 (no foyer do hotel das demoras)

O trânsito é o interlúdio entre as esperas. Distingue-se por ser o tempo das bagagens.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-10-17

foto&legenda # 361 (interlúdio, suite ballard)

Isto, sim, é uma espécie de vida, tower control, tower control to mister bishop, estar aqui, neste balcão sobre a avenida principal, a observar a patrulha a cavalo da guarda nacional republicana, mister bishop take that horse, take that horse down, estar aqui a assistir à coreografia do desfile, a cumprir a defesa e a obediência devidas, the queen is dead now, quando tantos andam por aí a hesitar, a ter dúvidas sobre como comportar-se e as regras do jogo, mister bishop take that white horse down, numa esperança que os cativa e simultaneamente rescinde, que os transforma em dígitos, em conteúdo de um rótulo, well done, mister bishop, well done, numa esperança quase fatal, xeque, the king is quiet, ou fatal, mesmo, xeque mate, the king is also death, feita em destino do qual não é possível renúncia, tower control over, over and over again, a que se segue uma condição perdida, em que se começa a ver mortos, over and over again, em que se começa a sentir a deterioração do sangue, em que os selos de correio começam a amargar e por isso deixa-se de ser capaz de enviar cartas, we’re no longer here, mister bishop, condição agravada pelo facto de não se conhecer o código postal do destinatário e por a alternativa, telefonar, ser dispendiosa, we’re already in another game and you’re in that same game, mister bishop, por, na prática, não haver alternativa e não haver hipótese, you’re not alone, mister bishop, you only lost your position, por tudo ser uma ilusão, por não estarmos aqui, neste balcão sobre a avenida principal, stay with us, mister bishop, don’t be a loser, por ser-nos exigido um crédito em credo de regras, por já apertarem as algemas e não termos mais fígado, por a pedra continuar a rolar todas as vezes que alcança o topo, do you want to lose yourself?, mister bishop, is that what you want?, por não ser possível continuar a abafar o grito e a conter as mãos quietas, por a raiva crescer, the white horse is already down, mister bishop¸ por crescer a necessidade de evasão com ela, a necessidade de ser solto, de ser para além das quadrículas, desta espécie de vida apertada, goodbye, mister bishop, you’re no longer our piece in the best position, fechada dentro do quase nada que, cada um por si, somos, tower control rzzz tower brzzzzzz rzz wer control rzzz brzzzzzzzzzzz, e continuamos a ser.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-10-16

pá, há muitas fotografias de ventoinhas grandes no blog do Paulo. vá, vão espreitar os jardins de aço.

2007-10-15

foto&legenda # 360 (o alfalto de uma noite)

Talvez a interrogação seja um modo do caminho. Talvez a escuridão seja a condição da luz. Talvez a noite seja a matéria do lugar mais íntimo, a intimidade, pela qual se entra na descoberta ou sai daí. Talvez a cidade seja a repetição urbana da fórmula «cada coração é um santuário, casa para irmãos». Ou talvez o caminho não seja este, mas outro, não outro qualquer, mas o caminho certo, mais encostado aos ossos do que às sinapses.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-10-14

n’a imagem

filme © rg animation studios
pá, permitam-me esta nota de intendência, que estou tipo cão, com o rabinho a dar a dar, contentinho da Silva Faria. primeiro porque o José Boldt permitiu o uso da fotografia exposta abaixo. como é regra para todas as fotografias, mas para esta muito em particular, cliquem sobre ela e vejam-na em todo o esplendor, para ficarem ainda mais arrebatados. depois estou para aqui com o rabinho a dar a dar porque o Paulo, de quem já foram publicadas bastantes fotografias neste blog, tem uma amostra do seu trabalho estampada na Única (pp. 96-100), revista que faz parte da edição de ontem do Expresso (n.º 1824, 13.Outubro.2007). ainda por cima, as fotografias do Paulo têm daquelas ventoinhas gigantes que me fazem sentir uma espécie de dom Quixote. ui.

2007-10-13

foto&legenda hors-série (avé)

Feita a luz, no princípio do mundo havia imagens agarradas apenas na superfície da água. Com a luz veio o tempo. Depois veio a separação mosaica das águas. Veio a água benta. Veio o sol a dançar. Veio tudo e o que ainda está para vir. E, como no princípio do mundo, continua a haver imagens agarradas na superfície da água, aos nossos pés.
fotografia © José Boldt
legenda © Sérgio Faria

2007-10-12

foto&legenda # 359 (a talha dourada)

O ouro, a outra matéria da mesma febre chamada fé.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-10-10

foto&legenda # 358 (segundo plano)

Frequentemente clamo morte aos artistas. Mas depois fico quieto, a contemplar, no atraso que devolve alguma justiça à perspectiva. É uma forma de engano como outra qualquer.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-10-08

foto&legenda # 357 (the ground beneath her feet)

Ainda julgas que é a natureza, a natureza apenas, sem o empenho e o valor acrescentado da mão de obra, que providencia o chão que pisas?

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2007-10-05

foto&legenda # 356 (empório)

E depois percebe-se que a melhor forma de dizer a presença é através do silêncio e que um dia o ritual da sua celebração será justamente esse silêncio, nada mais.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-10-03

foto&legenda # 355 (houdini & mandrake)

Nada fazia supor o facto. Havia um hotel estritamente reservado a ilusionistas, onde cada ilusionista podia pernoitar uma e uma só noite, excepto se conseguisse transformar a noite em dia. Se o conseguisse fazer, o hotel passaria a estar aberto a outra clientela e permitir que os clientes dormissem aí à hora que desejassem, à noite, de manhã ou à tarde, o número de dias que desejassem, sem qualquer objecção da gerência.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2007-10-01

foto&legenda # 354 (ensaio para teleférico)

Porque a suspensão não é eterna, devemos levantar-nos até onde a pátria alcança e arranjar transporte também erguido, adequado a esse nível, porém em regime low cost, para a mais ser mais acessível. E a esse transporte de categoria elevada, embora rés-o-chão e não sidéreo, chamar-se-á «a estrela de David».
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria