2006-06-30

foto&legenda # 111

Recordo que na velha vila nova a rua era ainda o domicílio dos jogos e das brincadeiras. O chão era simples e o domínio ainda não havia sido travestido de condomínio. As pastilhas elásticas, as únicas, eram Pirata e os putos cresciam com mais publicidade. Os iogurtes eram raros. A batota, mesmo a mostrada, não. Trocavam-se cromos. Improvisavam-se regras. Ensaiava-se a inocência e o corpo até à ferida. Era golo e a baliza era duas pedras, uma de cada lado. Os putos acomodavam-se ao trânsito. O trânsito permitia-lhes que crescessem. Nos quintais ia-se às nêsperas. E perto, mais alto, porque o moinho de vento era lá em cima, havia apenas o depósito de água. Já não há.
fotografia © Arthur Leipzig
legenda © Sérgio Faria

2006-06-29

Está mesmo ali ao lado

Um exercício de foto&legenda diferente dos outros. É só seguir a pista. E clicar sobre a fotografia, para crescer.

foto&legenda # 110

Eles, ela e ele, Eve Babitz e Marcel Duchamp, estão a jogar xadrez no Pasadena Art Museum. Sobre o tabuleiro, há vantagem para as pretas, a cor da nudez e da transparência que se vê.
fotografia © Julian Wasser
legenda © Sérgio Faria

2006-06-28

foto&legenda # 109

Podes prender o que visto, mas não me consegues segurar. Eu continuarei estranho às cordas que unes, solto, nu, entregue a mais vento do que aquele que, porque és quieta, te encontra.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

foto&legenda # hors-série

Os olhos são o primeiro instrumento contra a sombra e a superstição. Por eles é a luz e a revelação, assim como é o desvio, o trompe l’œil, e a ilusão. Pelos outros órgãos e sentidos é sobretudo o conforto.
imagem © Luis Buñuel (do filme Un Chien Andalou)
legenda © Sérgio Faria

2006-06-27

foto&legenda # 108 (para geometria, iv)

É-se o que se vê, porque ser é estar com alcance sobre a distância, a paisagem.
fotografia © Volker Beinhorn
legenda © Sérgio Faria

2006-06-26

foto&legenda # 107 (para geometria, iii)

Ainda que o poder da confissão seja inferior ao poder de testemunho da paisagem, jamais direi que sou paisagem. Por isso, embora fraco, lavro o que confesso. Sobre este chão há dois lugares, uma cadeira e um corpo, um instrumento e uma cicatriz.
fotografia © Janez Pelko
legenda © Sérgio Faria

2006-06-24

foto&legenda # 106

Os fantasmas, esse modo de invisibilidade que os olhos tanto desejam ver, perseguem a luz e estampam-se, como reflexo, nas superfícies vítreas das galerias urbanas.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2006-06-23

foto&legenda # 105 (para geometria, ii)

Primeiro imagino-me surrealista, amparando-me na condição de uma qualquer ferramenta de impacto adequada à destruição de convenções ou de depósitos de água. Depois invisto fé e engano na visão de Kiki de Montparnasse, o ícone suspenso por Man Ray em Le Violon d’Ingres, a tomar banho numa banheira.
fotografia © Brassaï
legenda © Sérgio Faria

2006-06-22

FOTOLEGENDA - 46

Legenda para a legenda da foto:

CADA VELA 0,10 €
SÓ ACEITA MOEDAS
SANTÍSSIMO SACRAMENTO
NOSSA SENHORA
SENHOR DOS PASSOS
Confusa a mensagem, confusos os desígnios. Apenas bem claro está que só se aceitam moedas (quem?), não necessariamente de 0,10 €. Parece que o que se quer dizer é que não há trocos para ninguém.
Tudo sugere uma portagem (para que outra margem? se três parecem os destinos, ou os endereços)
E não se pode recorrer ao MB?, e não há via verde para esta portagem? Mas nem esta via, por mais verde que seja ou esteja, nos salva do purgatório das esperas em filas quando em dias trezes, sobretudo de Maio.
Que haja quem nos perdõe porque, segundo alguns. bem precisados estamos de perdão. E a eles, aos que perdoados estão porque sempre com as contas em dia (e nas mãos, desfiando-as)perdoaremos nós, os que de tanto perdão precisados estamos?
Foto de Pedro Gonçalves
Legenda de Sérgio Ribeiro

foto&legenda # 103 (para geometria, i)

ao André Simões
Acredito na natureza formal dos corpos e no modo como, graves, não caem, mas se conformam e confortam no seu lugar.
fotografia © ?
legenda © Sérgio Faria

2006-06-21

foto&legenda #102

Talvez Ícaro seja a única testemunha do facto, se o facto não é imaginação. Este, exposto, é o seu enunciado: uma das espécies de fulgor resulta da síntese dos planos, do encontro entre as energias dos elementos telúricos e dos elementos siderais, como se fosse o pleno da simbiose entre o ritmo e a melodia das coisas do céu e da terra. Em todo o caso, seguindo o trilho de uma canção de Lennon, Imagine there’s no heaven
It’s easy if you try
No hell below us
Above us only sky
, é provável que estas coordenadas mais não sejam do que hipóteses, sentenças a testar. Mas é também para isso, para ver, que há a vida e os olhos.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2006-06-20

foto&legenda # 101

Os monstros que não se chamam Deolinda aquele nome são nossos amigos.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

foto&legenda # hors-série

reflexo(s). o espelho é um negativo instantaneamente revelado. daí, pela aparente ausência de mediação, a sua superior capacidade de engano.
fotografia © jan saudek
legenda © 3ás

2006-06-19

foto&legenda # 100 (edição revista e melhorada)

Caminhava alheio a tudo o que se passava à sua volta. Um fio de baba escorria-lhe pelo queixo ziguezagueando os pelos da barba. O frio e as roupas molhadas coladas ao corpo causavam-lhe algum desconforto. Sentiu que o puxavam. Parou, virou-se mas não viu ninguém. Só falta dizer que enquanto andava as suas pegadas íam desaparecendo misteriosamente na areia, como as impressões digitais apagadas no local do crime.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Pedro Gonçalves

foto&legenda # 100

Dos passos fica sempre um resíduo. Mas, como Ariadne ensinou, esse resíduo pode não ser suficiente para conduzir novos passos, inclusive os passos da volta. Porque o chão tende a ser indiferenciado, cada passo define um limite, cada passo é uma nova entrada. E sob todas essas entradas há, invisível, a mesma legenda. Lasciate ogne speranza, voi ch’intrate *.

* “Lasciate ogne speranza, voi ch’intrate”, algo como “Deixai toda a esperança, vós que entrais”, é o nono verso do canto terceiro de Divina Commedia, obra escrita por Dante.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-06-18

foto&legenda # 99

Do meu jardim de flores de aço vê-se o mar.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2006-06-17

foto&legenda # 98

Arrombadas, pela erosão, as escotilhas do edifício, a luz declina, como se continuasse a guardar-se e a proteger-se no exterior, como se dissesse sou cá fora e o tempo é comigo, espero pela noite.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-06-16

FOTOLEGENDA - 45

Casa dos espíritos - 2













… de vez em quando, há quem veja uma das mulheres junto à janela, olhando os verdes.
E sempre as figuras de mulheres que são os espíritos daquela casa têm um ar triste. Tão triste como a casa que habitam. Da casa que casa deixou de ser e que, de ser casa não parece ter ficado, noutros, memória. A memória que só aqueles espíritos-mulheres terão. A memória do tempo em que eram só mulheres e não o que hoje são: espíritos em figuras de mulher. Habitando a casa dos espíritos.

Foto (e ideias escritas) de Pedro Gonçalves
Legenda (a partir de ideias escritas) de Sérgio Ribeiro

FOTOLEGENDA - 44

Casa dos espíritos – 1






















A casa dos espíritos. Ficou assim conhecida depois do abandono que gerações aprenderam a olhar como tão definitivo que nem do abandono ficou memória. Como se a casa não tivesse deixado de ser casa e sempre tivesse sido o que é. Ruína viva. Habitada
As portas tornaram-se espelhos paralelos, quebrados. Caleidoscópicos. E toda a gente cala o que eu sei e o vento me sussurra. Eu sei que para além do vento que, ao passar molduras, faz ranger velhas dobradiças sem uso e parte vidros, pairam por ali espíritos em figuras de mulher. Aparecem quando menos se espera, vindas do que foi uma sala e tacteiam, com o pé bem calçado, o chão do que outra sala foi. Como se salão de dança tivesse sido e ainda pudesse voltar a ser.


Fotografia (e ideias escritas) de Pedro Gonçalves
Legenda (a partir de ideias escritas) de Sérgio Ribeiro

foto&legenda # 95

Se me prometes destroços, parto, vou para aí, porque partir é uma oportunidade. Mas não irei a voar. Sou aquele anjo, o novo, com as asas sujas de fuligem, pesadas, impregnadas de tempo morto. Irei a caminhar, pés no chão, demorado. Se me prometes destroços, é esta a minha fé.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-06-15

foto&legenda # 94

Alguém lançou a primeira pedra. As outras foram réplicas apenas, ensaios contra a resistência.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-06-13

foto&legenda # hors-série

jogo de luas. aqui epimeteu - a pequena -, ali titã - a grande -, satélites do sétimo degrau da escada até ao empíreo, onde, nos seus passos, entre contemplativos, houve beatriz sem sorrir.
fotografia © nasa
legenda © 3ás

2006-06-12

foto&legenda # 93

à equipa de hóquei em patins
do Juventude Oureense, bis
Há insígnias que são o peito.
fotografia © Paulo Vaz Henriques
legenda © Sérgio Faria

2006-06-11

foto&legenda # 92

à equipa de hóquei em patins
do Juventude Oureense

Corações ao alto, em azul - azul, blaue, bleu, blue -, azul sobre rodas, azul sob oração, oração que diz: degrau a degrau, escadaria acima, até ao varandim do primeiro andar, é o calvário e o elevador da glória.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-06-10

FOTOLEGENDA - 43

CROMOS DO HÓQUEI
JO

“Zé das Botas”

Aos anos que está no Juventude Ouriense, que em Ourém vive, já o consideramos nosso. De raiz. Embora as suas raízes, de que ele não abdica e que nunca esquece, sejam lá longe, em Angola.
É, por isso, o “nosso” internacional. Embora seja internacional por Angola.
Dá gosto vê-lo, rijo como pedras, veloz como plumas, estar em jogo e fazer parte desta equipa.
Está sempre a “ir para Luanda” porque isto e mais porque aquilo. E um dia irá. Teremos saudades dele. Mas, estamos certos, ele também terá saudades nossas. De Ourém.

N.A./S.R

FOTOLEGENDA - 42

CROMOS DO HÓQUEI
JO

Tiago

Não jogou muitos jogos, nem muito tempo jogou nos jogos que jogou.
Mas quem acompanhou a equipa nos treinos sabe da importância que este jovem teve na qualidade de jogo que a equipa apresentou. Porque, nos treinos, foi sempre uma peça importante, mesmo muito importante. E os jogos ganham-se com o trabalho feito nos treinos.
Tem uma qualidade técnica e um estilo que chega a surpreender. Como todos os esquerdinos. Aquela mão esquerda!
Esta foi uma época de “crescimento”.
Temos hoquista. Temos homem!

N.A./S.R

fOTOLEGENDA - 41

CROMOS DO HÓQUEI
JO

Nuno Silva

O benjamim.
É um puto do hóquei oureense. Ou… é um puto oureense do hóquei.
Cresceu (e se cresceu!) a jogar hóquei no Juventude. Mas não cresceu só em centímetros, nem só como hoquista. Cresceu como estudante e como homem. Tanto que, às vezes, se pergunta se não estará responsável demais para a idade.
Todos os que percebem desta coisa de fazer girar uma bola preta com um aléu nas mãos e em cima de uns patins têm, para ele; uma frase e um ponto de exclamação: “o puto tem um grande potencial!”.
N.A./S.R

FOTOLEGENDA - 40

CROMOS DO HÓQUEI
JO

Nobre


Faz parte da “mobília”!
Mas é um móvel… nobre.
É, como dizia Brecht, dos imprescindíveis.
Porque é dos que lutam sempre, dos que estão sempre onde é preciso que esteja um dos seus, que nós somos.
Aqui cresceu e aqui está. Pronto para ajudar. Indispensável para os treinos, jogando quando e se for preciso. Nunca deslustrando.
E não se pense que não tem posições e opiniões. Tem e di-las. Sempre com o mesmo espírito. Nobre.


N.A./S.R

FOTOLEGENDA - 39

CROMOS DO HÓQUEI
JO

Bruno Aires

Irreconhecível?!
Mas é o Bruno Aires, a sapatar na bola. Vê-se logo que é ele, dirão os que disto percebem.
No hóquei, o equipar é um ritual. Para os do “miolo” é o calçar botas e patins, pôr canaleiras e outras protecções que a bola é maciça e bem rija e há, por vezes, sticks tresmalhados que mais procuram a perna mole que a bola dura…
Então os guarda-redes, os que ficam lá atrás à espera que elas venham à velocidade acima dos códigos, e se têm de confrontar com sticks no ar e outras confusões naqueles terrenos que, dizem…, são os seus, esses mais têm de se proteger. E parecem seres de outros planetas… Faz parte do espectáculo.
E o Bruno Aires, às vezes, é ele o espectáculo. Por isso, reconhecível por baixo das armaduras e máscaras.


P.G/S.R

2006-06-09

foto&legenda # hors-série

O rapaz que se apaixona por mulheres das páginas do tempo

# 2.
Nas redondezas, num raio de quilómetros avantajado, nenhum daqueles calendários que estivesse publicamente visível tinha a página do mês de Julho. As pessoas aperceberam-se desse facto no dia em que nho foi substituído por lho e quiseram virar a página do calendário. Então, aperceberam-se também que o calendário não tinha a página do mês de Agosto. Comentando esta observação entre si, as pessoas julgaram ter havido um erro na produção de tais calendários e, durante o princípio do verão, disseminaram essa tese. Embora a tese parecesse plausível, um dia alguém aludiu a uma excepção, porque, numa pequena vulcanizadora ali perto, havia um calendário daqueles com a página do mês de Agosto. Curiosas, como se sentissem necessidade de confirmar o seu tempo, as pessoas começaram a fazer peregrinações à referida oficina, improvisando demanda. Ou um furo ou a verificação da pressão dos pneus ou o alinhamento da direcção do veículo, todos estes e outros motivos fizeram aumentar a clientela ali. Entretanto, aconteceu que todos os que demoraram mais o olhar sobre o calendário, prolongando a contemplação da mulher nele exibida, cinco ou seis machos orgulhosos da testosterona segregada pelos respectivos testículos – e que, perante a evidência, atreveram-se a soltar motejos ordinários do tipo ó jóia, anda cá ao ourives ou, com serrado sotaque do norte, trocando os bês pelos vês e vice-versa, pá, esta gaja é como um helicóptero, gira e boa –, apareceram mortos, em circunstâncias insólitas. Nada sugeria a existência de um padrão no conjunto de tais perecimentos, excepto um pormenor. Todos os cadáveres apresentavam escoriações e fracturas diversas, parecendo que as vítimas teriam resultado de atropelamento. No entanto, nas imediações de onde os vários corpos foram encontrados, não eram visíveis quaisquer marcas de travagem no asfalto.
fotografia © Merl Alas, Marcus Piggot e Pirelli
legenda © Eliz B.

2006-06-08

foto&legenda # hors-série

O rapaz que se apaixona por mulheres das páginas do tempo

# 1.
Ele contou-me todas as suas tristezas, as pequenas, as assim-assim e as grandes. Estes são alguns dos pormenores do seu caso. Dito-os para arquivo, para que, como sumário, constem do respectivo processo.
Há dez anos, ele apaixonou-se exactamente no primeiro dia de Junho, logo de manhã, quando mudou a página do calendário. Aquela era a mulher para a sua vida, sentiu e desejou ele, mais do que pensou. Em consequência, o seu primeiro acto de expediente naquele dia foi escrever um pequeno bilhete de atenção à mulher do calendário, bilhete que nunca mereceu resposta. Em esperança, ele manteve a página do mês de Junho à mostra até ao último dia de Setembro. A um de Outubro, desvairado por a sua paixão não ser correspondida, ingeriu uma dose exorbitante de barbitúricos e deixou o corpo deslizar, dormente, quase zombie, entre a marabunta da cidade. Caiu, sem amparo, convulso, no chão. Foi levado para o hospital. Aí, para além da intoxicação pela ingestão excessiva de comprimidos, diagnosticaram-lhe um ror de males de foro psíquico. Permaneceu internado e sob vigilância clínica apertada até ao final do ano passado. Quando regressou ao mundo, à ordem de fora, arranjou emprego numa pequena vulcanizadora. O seu trabalho é simples, desmontar e montar pneus de automóveis ligeiros, o que, afirma o seu patrão, ele faz com destreza. Todos os dias é o primeiro a chegar ao emprego. E desde o princípio do ano que o calendário junto ao seu posto de trabalho está na página do mês de Julho. Desta vez, dizem, ele apaixonou-se antes do tempo, não esperou pelos calores de verão.
fotografia 1996 © Peter Lindbergh e Pirelli
fotografia 2006 © Merl Alas, Marcus Piggot e Pirelli
legenda © Eliz B.

2006-06-07

FOTOLEGENDA - 38

CROMOS
do hóquei
JO

“Manel”

Até irrita. Tudo em polvorosa e parece que não é nada com ele.
Veio este ano da Marinha Grande, grande e irritantemente calmo. Mas é só na aparência.
Vai para os penalties como se fosse tomar um café e conversar com os amigos. E marca-os como se não fosse nada com ele. Mas é. E muito. Quando sai golo, explode. Quando não sai, ou melhor: não entra – o que raro acontece –, sofre por si e por toda a equipa. Mas sofre mesmo! Com um raro sentido da responsabilidade colectiva.
Possuidor de uma técnica apurada que dá gosto ver. É um “falso lento”. Pronto, é assim. Não se diz que nasceu para irritar a malta mas, às vezes, tanta calma a jogar irrita a malta. Noutras - muitas! -, dá grandes alegrias à malta. É como a vida. Feita de contrastes.
Parece que tem um “camarão” lá em casa à espera dos patins, mas os de Ourém querem que o “camarão” só tenha préstimo daqui a uns bons anitos.

FOTOLEGENDA - 37

CROMOS
do hóquei
JO
Gonçalo Favinha
Este homem é um artista português.
Daqui perto, mas já há anos nosso, cá da gente. Com ele (e mais dois ou três), o Juventude Ouriense veio subindo os degraus da escada até chegar ao patamar mais alto.
Bem o agarram, bem o querem prender com golpes e “chaves” de outras modalidades “desportivas”, mas o homem tem artes de escapar a todas as amarras e inventa golos como só ele.
Com ele vivemos, também, outros desgostos e outras alegrias. Também os desgostos fundos e as alegrias enormes da vida que há para além do hóquei, da vida em que se morre e nasce em cada dia.

Este homem não é uma “fava”, é uma “prenda” no nosso bolo-rei.

foto&legenda # 84

Acedo à imagem pelo lado proibido, pelo lado que não se vê, pela sombra. Sei que é aí que estás. Não sei se és dom, se és condestável. Para ser sincero, não quero saber, porque o que me interessa não são as matérias fixadas no photomaton, a pedra, a oliveira, o crepúsculo. O que me interessa é o trompe l’œil, é a visibilidade da tua invisibilidade. Interessa-me a presença, a tua, que é anterior à suspensão do tempo que, por ti, a imagem mostra. Interessa-me dizer-te, sem dizer o teu nome, porque és o meu, o nosso, Brassaï, olho aberto deste lugar e chão, desta terra.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

2006-06-06

foto&legenda # 83

Por que é que os estados da matéria não se contaminam? Por que é que a gota de água refulge no seu equilíbrio precário?, equilíbrio quase de snooker fora da mesa, sob a direcção e o sentido do corpo afiado que a sustém.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

FOTOLEGENDA - 36

CROMOS
do hóquei
JO

Chinita

Sempre atento,
sempre interveniente.
Uma espécie de fiel da balança.
Antigamente, no hóquei, havia o 6º jogador;
Antigamente, no futebol, havia o 12º,
ou seja, havia quem não jogasse, quem não fosse olhado como responsável técnico, mas que era imprescindível.
No Juventude Ouriense de hoje, há o Chinita que, sendo aquilo que é – professor de educação física, hoje chamada motricidade humana –, se disfarça de preparador físico da equipa. Porque não prepara apenas o físico dos atletas.
Está lá! A ser cimento de uma equipa.

FOTOLEGENDA - 35

CROMOS
do Hóquei
Juventude Ouriense
Miguel Cunha
No posto de observação e comando.
Cara fechada, preocupado (ele, preocupado?!).
O homem que vive o hóquei. Intensamente.
Que aqui chegou, determinado, teimoso, querendo provar, sobretudo a si próprio, que podia levar Ourém muito longe e acima. Foi logo o título de campeões da IIIª Divisão Nacional e não mais parou a subida.
Até esta subida que mais alto não se vê que se possa ir.
Não há números um, mas ele é um número um desta equipa do Juventude Ouriense.

2006-06-03

foto&legenda # hors-série

Arqueologia do mais intrépido dos super-heróis, o Lobinho Nódoa. Fascículo # 1

Querido diário, vou escrever nesta página a verdade, apenas a verdade, mas depois vou rasgá-la, para que ninguém fique a saber o segredo que te vou revelar. Vou fugir, sair de casa. Sei que vou preocupar a minha mãe, mais ainda, mas tem que ser.
Gosto de super-heróis. Ao princípio só me inclinava para heroizitos plausíveis. Em pequena apaixonei-me pelo meu Edu, o Jaime Eduardo de Cook e Alvega, mais conhecido como major Alvega. Foi uma paixão não correspondida. Sofri muito por isso. A minha mãe diz que eu sou louca, quando refiro estas coisas. Que ele, o meu Edu, era apenas uma personagem e que eu devia ter juízo, para não me apaixonar por gente de tinta em papel. Mas a minha mãe sabe lá o que é paixão ou heroicidade. A minha mãe não consegue sequer ser ousada. Está sempre a dizer, tem cuidado, tem muito cuidado, filha. E lava a loiça com luvas, para não melindrar as unhas, diz ela. Tem cuidado, tem muito cuidado... Eu não quero ter cuidado. Quero aventura, rua, estrada, gastar as garras. Também cheguei a apaixonar-me pelo Mandrake. Com este, no entanto, foi uma paixão pequena, passageira. Logo, logo, porque o Mandrake andava sempre com o Lothar e quase nunca usava os músculos, desinteressei-me. E passei a outra divisão. Nada de Batmans ou Spidermans ou Supermans – sei que correcto é escrever Batmen ou Spidermen ou Supermen, mas quero escrever assim, errado, diferente. E passei a outra divisão mais cool e underground. Depois também isso passou. A minha mãe internou-me, fui injectada para deixar de viver dentro de uma banda desenhada. Resultou até agora. Já sou maior do que as drogas que me receitam. Filho da puta do psiquiatra!, incapaz!, venci-o. Mas finjo que não, que, mentira, são ele e as merdas que ele prescreve que me comandam.
Seja como for, eu quero sair daqui, estou à espera de oportunidade, e isso preocupa muito a minha mãe, porque suspeita que eu ando com a mania de voltar para dentro de uma banda desenhada qualquer, da qual, após, não vou querer sair. É verdade. Confessei-lhe agora, há pouco tempo, que conheci o super-herói da minha vida, o Lobinho Nódoa. Ao princípio a minha mãe assustou-se e exclamou ó meu deus!, outra vez!, não pode ser! Mas depois, cheia de esperança, como todas as mães, ela sugeriu que talvez fosse reminiscência das campanhas publicitárias na televisão ao Presto, o detergente dos glutões. Ou, então, do Noddy, aquela figurinha desprezível tipo Pinóquio que não mente e a que não cresce o nariz, criado por Enid Blyton. Um natal qualquer ofereceram-me um boneco desses. Teve um único uso, nas minhas experiências de voodu. Piquei-o todo, todinho, com alfinetes. Por isso descoseu-se e, um dia, ficou com as entranhas expostas. Esponja apenas. Deitei o boneco no lixo. A minha mãe não sabe. Julga que foi alguém que o roubou. Deitei-o no lixo porque não gosto de recordar o natal. Para além disso, o Noddy sempre me pareceu repelente. Todo cheio de cores garridas e com um guizo na ponta do barrete. Bá!, que nojo. Mas tornando às reminiscências, eu respondi à minha mãe que não podia ser. Não lhe falei do Noddy e do destino que lhe dei, para não suscitar suspeitas. Falei-lhe da publicidade. Disse-lhe que eu apenas recordo os anúncios à pasta medicinal Couto e ao restaurador capilar Olex. Também recordo o homem da Regisconta e a conversa toda do coelhinho que vai com o pai natal e o palhaço no comboio ao circo. Mas dos glutões não tenho memória. A minha mãe insistiu, disse que a origem do caso pode ser mais abaixo e complicada, escondida lá nos fundilhos, nas catacumbas do juízo, tipo Freud explica. Não sei. Talvez seja. Mas o que quero que tu saibas, ó querido diário, é que eu tenho um novo super-herói, meu, só meu, todo meu. O Lobinho Nódoa. Não direi a mais ninguém. E à minha mãe vou dizer que o que lhe disse foi invenção minha, brincadeira. Acho que sou capaz de a convencer. Agora vou rasgar esta folha, para, depois, ir ver se encontro o meu super-herói.
Lobinho, u-u, bilu, bilu, onde estás? Aparece, estou em perigo. Aparece, chamo-me Deolinda.
Ao mesmo tempo que surgiu um espectro na parede, ouviu-se um uivo. Ela nunca mais se viu.
fotografia © André Simões
legenda © Eliz B.

2006-06-02

FOTOLEGENDA - 34

PERFIS - 2
(ou "cromos do hóquei")
Jorge Godinho
Nasceu em Tomar pelos tempos de um Abril que abriu portas.
É um homem compacto. Pela sua estrutura física e pelo que vem revelando do seu carácter.
Respira amor ao hóquei (e às touradas...) por todos os poros.
Já esteve na "alta roda" e está a dar um inestimável contributo para, com o Juventude Ouriense, à "alta roda" voltar. Sobre rodas...
Com uma enorme capacidade de sofrimento, por vezes levada ao sacrifício, o que mostra sempre é querer ajudar o grupo, desde que sinta que ao grupo pertence.
Aqui o queremos. Assim. Por muitos e bons anos.
E numa última palavra tudo nos resume: vizinho!
foto de Nuno Abreu
legenda de Sérgio Ribeiro

2006-06-01

foto&legenda # 79

Provavelmente pode-se começar pelo significado do objecto. De pedra, calçada sobre uma ribeira, tem a utilidade de ser útil a quem a ela recorre, para passar de um lado para o outro, sem molhar os pés, sem molhar a alma, encontrando margens sobre e para além de si.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria