2007-02-15

legenda&foto # 19 (laranjeiras, laranjada & maçã)

Não estranhava laranjeiras. Embora não muitas, havia-as em casa da sua avó e do seu avô. Também havia nespereiras - como aquela, a única árvore, que ele tinha em casa -, pereiras, macieiras, dois limoeiros enxertados em laranjeira - ambos guardados contra a parede perto da porta da adega - e uma figueira pingo de mel - presença régia na fronteira entre a casa e os primeiros alfobres de terra semeada ou passada pela enxada. Havia ainda algumas oliveiras e pés de videira, bastantes, distribuídos sem ordem pelo pequeno casal, acima, abaixo e atrás da casa e em torno da eira e do palheiro anexo. Tudo isto, agora, já não existe e é memória vaga. O que ainda hoje ele recorda, como se fosse lembrança fresca, exactamente de hoje, é o primeiro dia que, nos dois lados de uma recta longa de asfalto, testemunhou o que, à época, tenro em pomares, lhe pareceu um contínuo infinito de mães de laranja. Ainda hoje o acompanha o perfume inebriante daquela tarde, daquelas mães guardando em si tanto fruto. Acompanha-o como recordação marcada a água-forte. Foi também o dia em que pela primeira vez bebeu laranjada autêntica, de um jarro, não de uma garrafa. Mas do que ele gosta mesmo, de gostar à doida, porque o faz imaginar o princípio de toda a culpa, chama-se malus, maçã.

legenda © Sérgio Faria
fotografia © Nuno Abreu

1 comentário:

Anónimo disse...

puta fotografia!, ó parceiro.