2007-08-10

foto&legenda # 336 (a (de)cadência)


Não há memória das coisas antigas; e também não haverá memória das coisas que hão-de suceder depois de nós, entre aqueles que viverão mais tarde. *


São muitos anos a dizer não. A dizer sim também. Neste trabalho de ditos são tantos os totens levantados quantos os altares abandonados. Sei porque tudo isto foi obra pela palavra. Ela por ela, ele por ele. Mas depois houve mais caminho. Não conheço esse caminho, sei que houve apenas. Memória talvez tenha havido também, mas quanto a isso, por prudência, digo nada. Que glória ampara os desfalecidos? Sim, qual glória é a glória dos aflitos?, dos que caem?, aberto o campo de batalha. Somos caídos à vigília das carnes para quê? De que nação vêm os inimigos? No momento em que inclino a cabeça, no momento em que sei a sentença, expio a temperança. Não derramo lamento, conformo-me com a culpa. Guardo-me a ela, sem cuidado, sem fadiga. Aprendi a distinguir adornos e necessidades. Decidi e estabeleci aí a minha morada. A dúvida era o meu salário, já não é. Cumpro-me com a confiança. Persevero no meu ofício e nas minhas horas, tentando, tentando, tentando. Adio assim o fim. Adio-o eternamente, como o tento, sem recompensa ou reparação. Avanço mais alguns passos, sete. A infâmia toca-me não porque eu a tenha convocado. Sou assim. Não regresso. Nada tenho a confessar. Sou assim. Os leopardos são assim também, demorados a imaginar o outono a que se prometem, como numa canção triste. Como eles, sou assim por lei e metrónomo, ritmo lento, quase preguiça, resistência. Sou assim. Mas preferia ser capaz de fingir o tempo. Nunca é sempre. E isso esgota-nos, esgotar-nos-á.
fotografia © Pedro Gonçalves
legenda © Sérgio Faria

* versículo onze do capítulo primeiro do Livro do Eclesiastes.

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