2009-06-21

foto&legenda # hors-série (das continuações, xxi)

As vozes endoidecem-me. Tenho consciência de que me repito. Os sonâmbulos têm mãos também. Esta associação, vozes e mãos de sonâmbulos, é livre. Talvez seja uma perseguição. Admito que sim, a conjectura é plausível. _____ As coisas dividem-me. Prendo-me a elas para as disputar e separar-me mais de mim. A inveja é apenas mais um ângulo da minha presença. __________ Continuar é uma maneira de cair. Agora vivo em queda livre e magoada, sem outra vez. Tenho os lábios esquecidos no medo, um beijo pronunciado neles como rumor ou murmúrio. Nenhuma palavra, nenhum gesto. Os amantes amam devagar, com culpa, são assim. _____ Às vezes desejo esconder o corpo - escondê-lo, mais do que recolhê-lo -, fazê-lo passe-partout da ausência que tento. _______________ Deixei de fazer o casting cardíaco do costume. Agora obedeço ao impulso, entrego-me para partir. Do abandono ao resgate, o movimento da identidade pelo qual sou é o afastamento. A ausência faz parte do meu processo de reflexão e inflação. Tenho as mãos moídas de tanto agarrar-me. A tua forma desvaneceu-se delas, encheram-se de liberdade, incêndio e horto também. O modo como as integro no meu corpo, sem o louvor da falta, é a consequência mais evidente disso. Sofro a sensação de pertencer às paredes, como se o que é permanência em mim fosse a minha identidade e não um desvio. É esta intimidade com a matéria que me funde na necessidade. _____ Sigo o perfil irregular dos frutos, acompanho-me. A poesia não é saída ou entrada, é um caminho. Eu prolongo-me por trajectos diferentes, em manobras de perda e distância. Apesar de ser verdade, digo isto como se fosse verdade. Afasto-me, dobro-me no exílio. Puxo o corpo mais para mim, para fechar as vozes. Mas continuo apenas. Sou a morada das vozes. Continuo.
fotografia © Laurence Ellis
legenda © Eliz B.

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