2009-12-08

foto&legenda # 453 (københavn, etapa do apocalipse)

Num lugar dizem a esperança. É autenticamente a ilusão de que continua a haver princípios, de que a função reset está disponível para o mundo. Não está. A revolução é inevitavelmente para o mesmo. Somos filhos de Δαίδαλος, ainda não aprendemos a cair sem fim, apenas caímos, sem hipótese de recomeçar, continuamos a cair. A continuação assim é a série que corresponde ao desespero, é o processo que suscita e transporta a consciência de que a morte não resolve o mal sem cura de que padecemos como comunidade e cada um de nós padece também. A impossibilidade da morte como solução é uma doença mortal, é a condenação à falência. Falha a fé, falha a dialéctica, falha o retorno eterno, falham as modalidades de habitação do parque humano, do absoluto que o habita. Agora, que dura a cerca de meia hora de silêncio após a quebra do sétimo selo, resta o fim. Como não somos capazes de sair do tempo, ainda imaginamos moinhos, inventamos relógios gigantes com três ponteiros para combater o atraso. Mas o atraso é já demasiado. Nas fontes, nos rios e nos mares haverá absinto. Nos chãos haverá apenas areia, cinza ou sal. No ar haverá fumo negro e perfume de enxofre. Ninguém existirá para continuar a imaginar moinhos. Esquecidos todos os hinos, esquecidas todas as orações e todas as intenções, sobreviver-nos-á o ocaso.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

1 comentário:

Anónimo disse...

Há algum tempo que uma amiga minha de Ourém me falou deste cantinho, que venho espreitando. Sem querer tirar mérito às fotografias, as legendas são muito boas. Como é que quem escreve assim pode vier aqui escondido e desconhecido? Perguntei à minha amiga e ela não me soube explicar quem era, porque também não conhecia. Costuma-me a acreditar que não seja conhecido, pois é uma pena e acho que merece.
Ana Lúcia