2010-02-09

foto&legenda # 455 ((antichrist television blues))

Não sou original, repito com adulteração um credo de Nietzsche - Ich würde nur an einen Gott glauben, der zu tanzen verstünde -, não creio em deuses que não saibam dançar. Menos creio em deuses mortos que isso também, cadáveres não dançam. Este princípio remete-me ao corpo, ao posto onde a morte sopra como instinto. Antes das ficções, a sobrevivência, o combate, o jogo, os passos, a alegria, o erro. Talvez não seja verdade mas, meio mas, não mais do que essa porção adversativa, preciso de estar sozinho para encontrar-me. Quando saio estou com os outros, partilho a respiração com eles. É isso a dança, admitirmos a água como vinho, o vinho como sangue, o movimento que transforma o pão em mais pão e o pão em carne, para que a festa não cesse. Não preciso de histórias da carochinha para acreditar no corpo, no que com o corpo se faz e é possível fazer, incluindo a ligação. Preciso de simplicidade, de estabelecimentos que consiga ver, necessito da concretude dos dias que acontecem mais perto, dos desvios que posso através deles e das horas que têm. Sem assentar em doutrina, creio no corpo a autenticidade, no corpo a história, no corpo o reino, no corpo o rei, eu, tu ou outro, a falência da intenção metafísica. É assim, se danças, trazes a música à carne, numa operação em que o corpo vibra a ressurreição da condição própria. Preciso de estar sozinho para encontrar-me mas, agora a adversativa é inteira, concedo, descubro-me corpo a corpo, descubro-te também. A dança despe-nos. Ficamos sem deuses, ficamos sem teelvisão, matamos e prescindimos de o que é supérfluo. O corpo é suficiente, sede e ligação. E quem diz dança diz futebol.

fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria

1 comentário:

Anónimo disse...

Quem és tu Sérgio Faria?
Que curiosidade!
Tens um dom.
As tuas palavras são sem dúvida uma delícia sem fim.
Bem haja homens assim.
Não tenho palavras... para as tuas palavras...porque as sinto.
Parabéns por escreveres assim.