2006-03-15

FOTOLEGENDA - 8

(foto de Pedro Gonçalves)

Esta será a versão moderna – financeira, fiduciária –, de uma parábola que um grupo de alunos da cadeira de “integração económica”, no começo dos idos anos 80 do século passado, colocaram num trabalho que entregaram ao professor da cadeira.
Nesses idos tempos, em que os telemóveis não falavam, as moedas não eram únicas e os bancos (ainda) não tinham os lucros que hoje têm, até porque – pasme-se… – estavam nacionalizados, o local onde se passava a curtíssima história era a porta de uma barbearia.

Era uma vez um cego que, à ilharga de uma barbearia, tocava gaita-de-beiços, em jeito de contrapartida para as esmolas que pretendia receber em troca. Sim, porque pedir esmola sem nada oferecer em paga nunca foi coisa que mendigos com dignidade fizessem.
O barbeiro todo o dia ouvia a mesma música mal tocada até que cansado ficou, talvez porque, como acontece a tantos barbeiros, nem sempre há muito que fazer e as horas sem clientes para cortar cabelos ou rapar barbas são difíceis de passar. E mais se passou … por ter de ouvir aquele cego e a sua gaita-de-beiços todo esse tempo.
Então, o barbeiro, cruel como alguns são em qualquer profissão, foi, pé-ante-pé, e num momento (raro, raro!) de pausa do pobre cego, trocou-lhe a gaita por uma das suas navalhas.
O cego não deu pela troca, e recomeçou a sua função.
Só que não saia som nenhum daquele instrumento a que, para bem se contar, se deveria chamar navalha-de-beiços.
O que é inexplicável é que o sorriso do cego se ia tornando cada vez mais rasgado…
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PS: a propósito:
por onde andarão esses então finalistas do curso de economia, mais cruéis que barbeiros cruéis? Passado quase um quarto de século a suma ironia seria que algum deles fosse, hoje, administrador do Barclay’s, ou um quadro de topo, responsável pela campanha “procure a sua estrela”

(texto de Sérgio Ribeiro)

3 comentários:

Nuno Abreu disse...

é por essas e por outras que sou careca.

Nuno Abreu disse...

e laca. muita laca. ou será lata?

Sérgio Ribeiro disse...

Depois da crueldade hard, a crueldade soft... até porque - dizem - é dos carecas que elas gostam mais.