Antes podia olhar-se com detalhe o vale que aninhava a vila nova, vale que se estendia até ao cimo do outeiro onde as pedras velhas, já adormecidas como mortas, guardavam o sinal de outro período, a vila velha. É dessa altura uma certa urgência de, sobre Ourém, saber a sua distância, medida em pés, não o seu lugar no mapa. E ainda desse tempo era exigência saber o que se dizia e o que se via aí, como aí se andava e o que aí havia. Por não terem passado essas urgência e exigência, um dia foi começado um inventário oficial dos estabelecimentos e das coisas que aí eram novas. Numa caligrafia irrepreensível, no topo de uma das páginas da relação das modernidades, foi lavrado o seguinte assento: na avenida, na quinta do tenente-coronel Moreira Lopes, justa entre o cine-teatro e a taberna do Frazão, em frente ao armazém dos vinhos, há uma torre alta em ferro, com uma roda de pás de chapa zincada que chia e bascula consoante cata o vento, puxando à superfície a água de um poço, como seja uma nora sem besta, uma azenha sem rio. Diz quem foi sentinela desse antigamente que as coisas assim, extraordinárias, contavam-se pelos dedos e cartografavam-se a olho nu. E que tais coisas se relatavam escritas apenas para confirmar no papel que, de facto, existiam. Pois outrora a grandeza dos lugares era uma medida simples e testemunhada conforme o que fosse inscrito no livro das existências. E sobre o escrito, porque evidente - e, portanto, mais do que verdade -, não havia dúvida. Porque o que era escrito via-se.
fotografia © Nuno Abreu
legenda © Sérgio Faria
legenda © Sérgio Faria
2 comentários:
Era a simplicidade das palavras.
Sem burocracia, sem impressos desnecessários!
Um único livro, O Livro das Evidências!
GR
O problema - e grave! - é que agora há quem não escreva mas despache: deite-se abaixo!
São os "despachados" que despachantes eram outros e menos são porque as "uniões" começaram por ser aduaneiras.
E a esses, aos "despachados" que se deveriam chamar despachantes, estamos entregues...
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